segunda-feira, 18 de abril de 2011

Luiz Fuganti - Ressentimento

Quando a gente se desconecta da presença...

terça-feira, 5 de abril de 2011

coisas de vida

Quando a gente ultrapassa a hora do tempo, o momento do presente. Quando a gente perde o timing que nos conecta nos tempos que não são explícitos, mas talvez definitivos. É um tipo de escolha, perder o tempo da coisa. Perder o tempo do momento. Quando se morre antes mesmo de morrer; e se vive profundamente quando se assimila a morte dentro. Trazer a morte para dentro, pode ser viver? Pode-se estar mais vivo com a morte dentro ou a morte fora? Sem morte não há vida, nem tempo, nem percepção de passagem. Eu pergunto, eu respondo e não faz a menor diferença, saber. Não faz a menor diferença saber. Eu tenho medo de por medo perder o tempo que a vida está me dando de presente. Eu tenho medo de morrer sem morrer, e nem saber que eu morri. Essa confusão talvez seja muita vida, talvez seja o inicio de uma morte. Talvez eu tenha mais medo da vida do que da morte. Possivelmente e muito provavelmente sou uma entre muitos outros que está sempre entre a vida e morte.

sábado, 2 de abril de 2011

em fast foward

Então doutor, acho que deve ser simples. Tenho sentindo algumas coisas, mas parece que são coisas diferentes que ficam se alternando sabe. Olha só a minha mão, já me disseram que isso é eczema, essas bolinhas aqui e aí depois começam a descascar. Agora nem tá tanto, mas eu já tive as duas mãos inteiras escamando. Eu tenho tido também de vez em quando dor de garganta, mas acho que pode ser da alergia, eu sempre começo coçando a garganta sabe, minha casa é muito úmida. Eu coço assim ó, chega uma hora depois de uns dias que começo a sentir dor, minha voz ate vai embora, é um saco. Eu também tenho de vez em quando um intestino solto, isso sempre me acompanhou, já tive cólicas horrorosas de tensão, mas isso eu não tenho há muito tempo, mas as vezes vou no banheiro mais de cinco vezes, é uma coisa chata. Fico sem saco. Isso deve ser normal. Acho que tem mais coisa, tem tanta coisa que eu sinto. Eu tinha que anotar pra trazer pro senhor, eu sempre esqueço. Alias, isso é um sintoma também, eu esqueço tudo. Ao ponto de atrapalhar minha vida, eu troco as palavras sem perceber, já discuti muito por achar que o outro não ta me entendendo, e na verdade ele não ta mesmo porque eu não to me comunicando corretamente. Eu esqueço como escrever no meio de uma anotação, você acredita?! Esqueço a palavra no meio da própria palavra. É muito estranho doutor, eu já esqueci nome de amiga, mas é amiga, não é conhecida não, amiga mesmo. Isso é constrangedor. Eu acordo quase todo dia achando que eu posso ter uma doença, na verdade câncer, todo mundo tem câncer hoje em dia, é questão de tempo. Ta tudo esquisito. Será que já tenho alguma coisa no meu cérebro. Eu também tenho muita palpitação, meu coração acelera, parece que entrou em fast foward, sabe como é. Tum Tum Tum! E tem hora que ele bate assim e o resto fora de mim está em câmera lenta. Alguém me disse que isso parece ser crise de ansiedade, mas será que isso existe mesmo. Acho que pode ser um tumor. Também me falaram em crise de pânico. Mas pânico como assim pânico. Não entendo. Meu coração tá em fast forward. Tum Tum Tum.
Ai doutor... Hoje andando na rua ouvi uma ambulância, depois vi a mesma correndo, avançando na contra-mão. Os carros parados esperando a urgência passar. E passou, e depois aceleram e segundos seguintes não havia nem mais o eco da sirene. Aquela pessoa dentro daquele hospital ambulante talvez já tenha morrido, ou talvez já tenha parido. Eu que atravessava a rua já estou em casa, não sei bem o que fazer, não tenho nada pra fazer. A ambulância passou, e eu estou em casa, no meu quarto que deveria ter a minha cara, com a minha casa que deveria ter a minha cara, mas eu me olho no espelho e vejo cabeça, olhos, nariz, cabelos, vejo o meu contorno. Que contorno é esse, não me sinto pertencente desse contorno. Ele parece demais distante do que está dentro. Dentro, tento ver dentro, vejo a minha casa e só vejo o fora, dentro é um borrão, é o nada, vejo meu quarto e vejo o nada, ou vejo qualquer coisa, qualquer pessoa, qualquer história de vida com ou sem a passagem da ambulância. Minhas roupas, minha casa, minhas coisas, chamo de meu, mas nada realmente me pertence, nada me expressa como eu. Eu não me expresso como eu. Eu me expresso como ele, como eles, como os outros. Há um corte, uma ruptura - ruptura não - porque nada nunca foi para poder ser rompido, há um buraco vazio entre nós, entre os meus possíveis eus. Eu já tinha falado que meu dedo tremia porque não queria mais ser dedo, queria ser palma. Meu corpo agora todo treme, todas as partes insatisfeitas, todas as partes brigando para trocar de posição, de ordem, todas brigando na tentativa de me compor de uma outra forma, como uma outra, ou talvez como a mesma só que inteira, inteira de partes inteiras e principalmente presentes em encontro com as outras. Sinto a necessidade de me perceber fragmentada, os fragmentos podem me reproduzir inteira de partes incoerentes.