sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sofia. Ela vai escrever uma peça. Vai escrever mesmo. Talvez se fosse para casa deitasse um pouco, as palavras surgiriam com mais facilidade, mas como ela é teimosa até com ela mesma – resistiu. Sentou-se na cadeira e ficou olhando para o caderno. Olhou, olhou, dormiu. Dormiu sentada! Acordou no dia seguinte torta, dolorida, toda errada – e nada. Nenhuma palavra, na verdade pior do que nenhuma palavra é nenhuma idéia. Uma ausência, um vazio. Deu uma alongada, estalou a coluna e sentou-se novamente. Sentada - permaneceu, enquanto o tempo passava, passava, passava..., mas o vazio não, esse não dava trégua. Sofia já estava quase adormecendo pela segunda vez, sentia a derrota se aproximando, se imaginava deitando em sua cama macia, quentinha, o desejo de se inspirar e escrever se diluía com o sono e cansaço. Antes de sua última piscada, percebeu que as páginas começavam a virar sozinhas, uma após a outra. Uma loucura! O caderno, as páginas estavam revoltados. Queriam palavras, queriam tintas, queriam rasuras e idéias. Sofia acordou naquele instante, ficou apavorada, a cobrança agora era muito maior. Ela resistira a tudo, mas não ao caderno. A caneta saltou da mesa direto para sua mão, Sofia a agarrou e começou a escrever. Escreveu muito, sem parar, sem pensar. Era uma inspiração legítima!!! As páginas, agora felizes, realizadas, viravam com satisfação. As palavras, porém, estavam confusas. Seus sentidos estavam trocados. Sofia tinha criado novos significados – verbos viraram adjetivos, substantivos viraram verbos – desordem absoluta. Sofia se encontrava tão realizada e satisfeita, quanto ao caderno e suas páginas. Os novos sentidos eram incríveis. Finalmente conseguira se libertar de tudo - criou um laço, um pacto com o caderno, as paginas e o lápis. Sofia e suas palavras dialogaram, conversaram, se desentenderam e se apaixonaram.
Aqui já pode ser lá.
Aqui já não é mais aqui.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Atuações dos Palhaços Maricota e Ramiro Ramos - Enfermaria do Riso

Fotos: Diana Herzog






Texto de Flavio Graff retirado do programa do espetáculo - O Perfeito Cozinheiro das Almas desse Mundo

Conectados pelo tempo
Futuros amores
Encontram originais de uma historia
Traçados e retraçados
Escritos e reescritos
Tantas vezes
Em tantas vidas
Rasurados
Desenhados
Manuscrito
Em tudo que foi dito
Do nosso amor
Que foi vivido
Num caderno, onde as notas, os bilhetes, as anotações, as declarações em um tempo,
em uma vida se espalharam pelo futuro.
Que é hoje.
Amanhã já seremos outros
Já seremos muitos
Pra não nos esquecermos jamais do amor vivido
Pra encontrar de novo o instante em que nós paramos
Pra recomeçar
Lá onde não consegui perceber o meu amor
Igualmente
Diferente
Do seu amor
Pra encontrar de novo o instante em que nós vamos nos reencontrar –
ESTÁ MARCADO SUCESSIVAMENTE: ENCONTRO AMANHÃ AS SETE. TODOS RISCADOS.
Vamos nos lembrar um do outro?
Como se fosse a primeira vez?
Como se fosse o primeiro instante
Daquela vez

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Momentos que brincam com a música.

Momentos que brincam com a música. Uma música. A música. Aquela música que ontem foi uma e hoje aquela, mas sempre a mesma que leva para um outro lado, outro estado. Tudo já volta de uma vez querendo jogar, e nem sempre eu estou aqui. Mas quando estou meu coração quer correr de mim, correr para os outros, para esses momentos. Este agora no ontem de hoje.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

O que seria senão a menor das tentativas, ir ao longe, buscar o que não tinha mais jeito. Eu quando quero me livrar, me descompor do que parece vagamente uma semelhança ao mais desconhecido dos mundos, fico querendo... Quero não sei, vou para onde surgir e buscar não sei o que. Não me interessa se é formidável, se é ou não qualquer parêntese. Escrevo e não busco sentido. Escrevo e as palavras a cada teclada aparecem nessa tela, é estranho, tento o desapego do controle, do sentido, os impulsos ganham espaço. Vida, a não escolha. A vivência. Só estar e pronto. Acho que as palavras aparecem sozinhas, independentes de um pensamento prévio, o estar leva a construção de um possível ser, que na verdade nunca será, ele é. Sento, e de repente as letras se misturam, não entendo mais diajok, vcoi jc eoiumooij – apomtnh. Xkjij, eijlkvh sk ajko adi ahoiem. Ukom zaijl oljiioa oijl io, ao loijo coió.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Lembranças Dela

Lembranças de alguma vida... Pra que? Pra quem? Quantas coisas não foram vividas e ninguém sabe. Ninguém sabe o particular, o único que era dela só dela e assim como o segundo, ou qualquer passagem se foi. Não volta. Ela era ela, e só aquela ela, todos sabiam quem era ela, mas não sabiam dela como ela. Como era possível ela levar, dividir, comunicar essa ela com os outros, talvez outras elas que também nunca serão além de um ela, isso se tiverem sorte, porque podem facilmente virar ninguém ou o nada. Uma diluição no todo que fica, mas ninguém sabe que ela está parte nesse todo. Ela se foi e eu nunca soube quem foi, e hoje ela não me diz nada, não sei nem que cara ela teve, como ela falava, se ela falava. Talvez gostasse de falar muito, de se expandir num mundo que vivia tentando uma compressão no ela. Não importa se tinha um nariz grande, pequeno ou arrebitado, porque para o todo ela nunca foi, nunca existiu, existe de outra maneira, ou é o que ela gostaria de acreditar, afinal, como todos nós ela tinha uma certa vaidade, egocentricidade, era importante acreditar que o mundo só acontecia porque ela fazia parte, ela estava presente. Mas que engano, o mundo está aqui hoje e ela não, e ninguém lembra dela, e ela que talvez tivesse um nome virou ela, junto com todas as outras elas que são alguém e breve serão ninguém, ou o todo. Ela me olhou e não me disse nada, me olhou porque era o que eu queria, era o que eu precisava, ela me olhou e me tornou eu.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Antonia na Cor

Quando a Antonia foi embora ela não tinha pensado em nada, ela apenas tinha sentido e percebido o mundo. Sabia que não dava mais pra ficar naquela mesma casa, naquele mesmo espaço. Ela decidiu e foi, achava que era isso mesmo, que estava fazendo a coisa certa, mesmo sem saber direito o que era certo e o que era errado. Antonia fez o que seu corpo lhe disse. Ela foi embora. Foi embora para o nada, ou para o todo. Antonia foi embora, chegou a lugar nenhum - lugar que era todos os lugares e nenhum ao mesmo tempo. Eu me pergunto como pode Antonia estar num lugar que é todos e nenhum? Acho que nem ela sabia e entendia, mas era o que ela sentia. Era talvez a cor branca dos lugares, com a possibilidade de vir a ser qualquer cor, a qualquer dia, com qualquer pessoa, ou só com ela mesma. Cores, muitas cores, Antonia já começava a imaginar qual cor que ela queria estar primeiro. Existem as cores óbvias que todo mundo conhece e diz que é a sua favorita, tipo azul, verde, vermelho. Mas Antonia imaginava magenta, goiaba, azul turquesa, pêssego, salmão – Nossa! Fiquei até com um pouco de fome pensando nas cores que Antonia queria estar. Em alguns momentos, o seu branco queria estar todas as cores ao mesmo tempo, tamanha ansiedade da menina. Mas todas as cores ao mesmo tempo levariam a menina de volta para o branco! Calma e ansiedade, Antonia que com sua calma conseguiu sair de casa, e chegar no branco; agora com toda essa ansiedade de sair do branco corria o risco de voltar pro mesmo branco.
O branco era bom poxa, o branco é a possibilidade, é a tranqüilidade de saber que já já vai aparecer uma cor, qualquer cor para colorir seu mundo branco. Apesar da ansiedade da menina em escolher uma cor, mal sabia ela que não precisava escolher, era só estar e aproveitar o branco que já já apareceria um jambo ou um amarelo sol. As cores surgiriam sem uma ordem específica, viriam de acordo com o momento da menina. Antonia estava no branco, pensava nas cores, estava no branco, aliviada de ter ido embora.
Antonia não queria mais uma casa certinha, com tudo certinho. Não queria uma casa com tudo já arranjado e arrumado. Eu agora que fico pensando na Antonia, no seu branco, e de repente numa e depois noutra cor, tento imaginar esse mundo em transição de tons. Acho que esse mundo não deve ter casa não, nem cadeira, nem pé de cadeira, nem almofada, nem sofá. Esse mundo, talvez seja vários, um a cada cor. E cada cor tem um cheiro, e cada cheiro tem uma emoção, que poderia ou não se misturar com outra emoção ou com um gosto. E essa mistura de gosto, cheiro e emoção poderia gerar novas formas,novos objetos e novas necessidades. Quem sabe nesse novo mundo a menina ao invés de sentar para descansar suas pernas, ela pudesse pegar um pouco do laranja, com um pouco da preguiça, e pincelar essa combinação na sola de seus pés. Ué! Laranja com preguiça poderia ser uma ótima receita, sei lá vai que vira uma base que equilibra todo o esforço e energia produzidos pelo corpo, e pronto pernas descansadas rapidamente. Imagina só, poder misturar coisas, sentimentos e sutilezas tão peculiares, e de repente não precisar mais de carro, cozinha, shampoo! Seria Genial!Eita! Eu que estava falando da ansiedade da menina, já estou inventando receitas para o novo mundo de Antonia antes mesmo dela sair do branco.
O branco, Antonia tinha que estar o branco, só assim ela viveria de verdade sabe. A gente não pode estar no branco pensando no roxo ou no lilás, a gente tem que estar no branco, sentindo o branco, vendo o branco, respirando o branco. A gente tem que estar branco, branco dentro e branco fora, se o mundo propôs o branco para Antonia, então é o branco que ela tem que agarrar, sua presença no branco, e o resto... ah... resto não importa... o resto é o resto, ainda não tem vida.