sexta-feira, 25 de junho de 2010

Metade Eu, Metade Fernanda Polacow

Mulher chegou para buscar homem que estava sentado ali há horas esperando por Deus. Ela bateu na porta, o Homem achou que poderia ser a batida de Deus na porta. Ele até questionou se Deus precisaria bater na sua porta, afinal Deus é Deus. Deus poderia descer em forma de raio, chuva ou até subir das profundezas da terra e não ser confundido com Satanás. A verdade é que Deus não teria que bater na porta, mas mesmo assim, o Homem após uma breve reflexão, achou que Deus poderia sim ter batido sua porta.
O Homem andou com uma surpreendente calma, aproveitou cada passo durante aquele curtíssimo trajeto do sofá à porta. Afinal aqueles poderiam ser seus últimos segundos antes de sua iluminação. Aproveitou inteiramente seu momento final como um homem simples.
Ele abriu a porta. Porta. Ele abriu a porta. Porta atrás. Atrás da porta estava ela. Ela estava atrás da porta. Uma Mulher e não Deus atrás da porta. Ele que esperava Deus, abriu a porta pensando que fosse Deus, viu uma Mulher. Era uma Mulher e não Deus, atrás da porta. A Mulher olha pra ele e fala:
Mulher – Eu sou Deus...
Homem – Deus...
Mulher – Deus sou eu...
Homem – Escuta Mulher, não te conheço. Estou aqui esperando pela minha iluminação e você não cabe aqui. Deus, eu espero Deus.
Mulher – Você não ouviu o que eu acabei de te falar? Eu sou Mulher!
Homem – Eu espero por Deus!
O homem então fechou a porta, se desculpando, sem olhar direito para aquela mulher tão simples, tão trivial. Mas o pequeno dialogo não lhe saía do pensamento e ele se fez uma daquelas apostas que se faz consigo mesmo e refletiu que, se ela fosse mesmo Deus, ele receberia algum sinal.
Este pensamento, no entanto, não lhe rendeu paz porque ele esperava que Deus, um ser absolutamente masculino, fosse lhe dar o sinal de que, desta vez, só desta vez, tinha lhe mandado uma mulher.
Tudo isso foi um tanto irritante, causou-lhe uma onda de calor e uma pontada na nuca, porque afinal, ele esperava por Deus e aquilo não podia dar errado. Então uma mulher vai arruinar esse meu momento?
Voltou irritado para a porta, abriu-a e lá estava ela novamente, com a mesma expressão, mas, desta vez, perguntou logo:
Mulher – Como posso te ajudar?
Homem – Se você fosse Deus, não acha que já saberia?
Mulher – Talvez, mas não sei. Por isso pergunto. Como posso lhe ser útil?
Homem – Ta aí, o sinal....claramente você não é Deus.
A mulher, com ar de cansada, entrou porta adentro.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Um parágrafo com café

Quase sempre acordo seca. Uma desidratação da alma. Alma que acorda sem saber se consegue ou não estar. Eu te falei ontem... é difícil abrir mão do que eu já tinha pensado e visualizado pra mim. Eu sei que você acha tudo muito mais simples, mas eu não sou simples, não tenho pretensão de ser simples, e muito menos estar simples. Sua simplicidade obtusa bebe café como água, e me faz perder a sede quando acordo seca. Passo o dia sem engolir por sua causa.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Sem Título

31-08-09
Vida que passa, deixa tudo apertado. Eu penso em qualquer coisa que não seja alguma coisa, mas a verdade é que qualquer coisa leva ao estado anterior, do nada, do que eu não quero, do que eu busco preencher. Vazio devia ser, estar parte integrante do que é estar cheio. Cheio de que, pra que e por quem que eu me encho? Quando é pra eu estar assim ou talvez daquela outra possibilidade, eu venho e fico apertada, pressionada, quero explodir gritar um sentido que não me faz sentido ainda, tudo é tão violento, e eu nem sei o que é esse tudo, como está esse tudo agora. Sinto o tudo, o todo, quero atravessar, e estar outra, perceber outro. O hoje é violento, me rasga, uma queimadura gelada, que conforta o que não deveria ter solução, mas é justamente, essa não resposta, não completo, essa permanente impermanência. A linha não existe, é uma concepção, nós aprendemos esse linear. Essa regra, essa ordem me confunde, não vem naturalmente, já nem mais sei o que é natural, tudo ficou separado. Diagramas de ordem, de desordem. Um assim , o outro sei não. Eu não sei, queria que a curva, que o desvio me fosse expressão de mim mesma. Algo orgânico, que só está. Eu me esforço, e ainda não sei, ainda não quero, ainda não estive. Som que eu não ouço, me segrega do todo. Estou à parte, em cima, embaixo, do lado de fora. A ordem é jogar, pronto, vai longe! Não fica! Eu falei não fica, não quero você, quero que você faça exatamente o que eu pensei, imaginei. Faça o favor de ilustrar meu o pensamento, não tem espaço para a dúvida e muito menos para o erro. Só vai pra frente! Escuta, você vai ou não vai traçar uma reta! Eu não vou ficar aqui esperando, esses longos segundos, minutos, esse tempo que eu inventei. Fui eu que inventei sim! Tá duvidando de que? Se eu falei é porque é! O tempo é meu, com todas as suas medidas, eu também inventei as medidas, elas medem , medem minhas vontades sobre você. Então... o kilo, o litro, pés, quarto... criei outras medidas. Diferentes possibilidades, mas todas fazem a mesma coisa. Que falta de criatividade que eu tenho, coisa tão boba. Tão boba essa idéia que inventei, idéia de querer dizer que eu que inventei, que são minhas, que eu sou a autora. Ai ai, estou me perdendo, não consigo mais pensar no que te falar, em que ordem te dar. Pula da janela, pronto, vai voa longe. Você não cai, não tem gravidade. Olha pra mim, você vê gravidade no meu corpo, você vê gravidade nas minhas palavras, nas minhas ordens, no meu caos?

segunda-feira, 21 de junho de 2010

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Maria e A Nuvem de Maria



Maria, triste, queria pular a nuvem. Ela, em cima da nuvem mais fofa e branca daquele céu de um azul forte e claro, queria dar um pulo. Só um pulinho. Ver se a cor do céu mudaria lá da outra nuvem; talvez dessa outra nuvem o ar pudesse ser um pouco mais úmido, mais gelado, frio. Ela também achava que dessa outra nuvem iria finalmente conseguir ver as casas lá embaixo; casas que já tinha ouvido tantas histórias. Maria ficava imaginando casas de tijolo, com cor de tijolo, com uma porta para entrar e sair, duas janelas acompanhadas por vasos de pimentas vermelhas, amarelas e verdes, e claro, um telhado com chaminé! Maria adorava telhados... Nas histórias os telhados eram sempre de cor laranja, mas Maria via com clareza telhados coloridos, uma telha de cada cor. O telhado de Maria tinha mais cores que o arco-íris! – e olha que Maria conhecia bem o arco-íris e as suas cores. Afinal, Maria morava numa nuvem, na nuvem de Maria. Da nuvem de Maria não dava para ver as casas, os tijolos, as janelas e os telhados.
Aaah.... a nuvem de Maria era extra fofa, extra branca, extra macia. Eu nunca entrei na nuvem de Maria, mas era assim que Maria falava de sua nuvem. Ela dizia também que dentro de sua nuvem ela podia flutuar. Sentia o ar esbarrar entre seus dedos dos pés e das mãos, e entre os fios de seus cabelos. Ela sabia respirar a nuvem pelo nariz e fazer sair o ar pela boca do jeito que ela quisesse, por exemplo: em forma de rosquinhas, corações, até livros com páginas, frases, palavras e letras. Tudo feito de nuvem! Às vezes, quando Maria não tinha o que fazer, ela respirava nuvem pelo nariz , soprava sempre uma solução para o seu tédio. Uma vez, ela fez até uma corda de nuvem para pular corda - em cima da nuvem dela, é claro! Mas hoje a nuvem de Maria já não satisfazia mais Maria. Como eu já havia contado, Maria queria pular para o a nuvem debaixo. Ai, que vontade que Maria tinha! Ai, que medo que Maria sentia! Afinal se Maria pulasse de sua nuvem, a nuvem não seria mais a nuvem de Maria. A nuvem, voltaria a ser uma simples nuvem. E todo mundo já conhecia a nuvem de Maria! Como era possível a nuvem de Maria não ser mais a nuvem de Maria? Como seria Maria numa nuvem que não era a nuvem de Maria? Perguntas difíceis para nós, mas muito mais difíceis para Maria. Quantas perguntas para uma menina. Tão jovem, já tinha que pensar, pesar e escolher. Por que Maria não podia simplesmente pular, experimentar a outra nuvem e depois voltar para sua nuvem antiga? Parece simples pensar nessas coisas, em tantas possibilidades, mas a verdade é que tantas possibilidades só existem quando a gente as pensa; quando a gente as pratica, elas se tornam completamente diferentes.
Maria não podia simplesmente pular e voltar, porque a nuvem já não seria mais a nuvem de Maria, e Maria já não seria mais a Maria da nuvem de Maria. Eita! Parece complicado, e até é, mas é simples assim - Maria tinha que decidir, tinha que escolher, tinha que fechar os olhos e viver, se arriscar, experimentar, deixar o mundo que ela já conhecia tão bem, mundo que lhe dava tanto prazer e segurança, mas que agora já não era mais suficiente. Maria com a cabeça já pesada e cheia de nós – nó mesmo, que nem nó de linha, mas no caso de Maria era um nó de neurônios, e sinapses e impulsos – então, Maria com o cérebro todo emaranhado se deu uma pausa de presente. Não pensou, só sentiu e se entregou, e de repente a nuvem ficou vazia, opa! Maria pulou! Maria respirou a sua nuvem e se jogou, se jogou no ar, sentiu seu corpo ir e aterrissar na outra nuvem. Maria pisou num novo ar, mas ainda tinha o ar da outra nuvem em seus pulmões, e assim, sem nem ter reparado, expirou pela ultima vez o ar da ex- nuvem de Maria. Esse ex-ar da nuvem de Maria, um pouco mais pesado, mais denso, mais quente se espalhou pela nova nuvem. Nova nuvem, porque ela ainda não tinha um nome, era nuvem, mas não ainda a nuvem de Maria.
Maria expirou pela última vez o ar de sua ex-nuvem, ao mesmo tempo em que viu todos os telhados lá embaixo. Que incrível! Os telhados, laranja-avermelhados! Peraí – laranja –avermelhado!? Mas Maria tinha certeza que eram mais coloridos, que tinham todas a cores do arco-íris juntas! E agora que conseguia finalmente ver pela primeira vez, a menina via laranja-avermelhado. Primeiro, Maria ficou decepcionada, mas logo em seguida Maria viu as árvores, as flores, o rio que encontrava com o mar – Maria não via telhas coloridas, mas via um mundo todo colorido!!! Tinha verde, azul, amarelo, rosa, vermelho. Maria também conseguia sentir cheiros, o ar era mais misturado, ele era composto por muitas possibilidades, muitos elementos, muitas cores. Maria estava estupefata! Um novo mundo. Era mais fresquinho, mais livre. Maria flutuava sem esforço, quase que sem querer e isso era uma maravilha, porque essa nova nuvem era muito maior do que a ex- nuvem de Maria! A nuvem era imensa e Maria não conseguia ver seu fim, ela não sabia os limites nem as possibilidades. Maria mergulhava, cantava, soluçava de alegria, tudo era novo. A menina nunca tinha sentido aquilo, tudo era novo para aquele seu corpinho com tão pouca experiência. Maria tinha o mundo, na verdade Maria tinha uma nuvem, uma nova nuvem. Maria tinha uma nova possibilidade de estar, de perceber o que estava fora. Maria podia ser uma nova Maria, uma outra Maria - a mesma Maria de antes, com essa nova de Maria agora.

UMA GALINHA - CLARISSE LISPECTOR



Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.

Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre.

Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se pode¬ria contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.

Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, pare¬cia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo. Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:

— Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem!

Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:

— Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!

— Eu também! jurou a menina com ardor. A mãe, cansada, deu de ombros.

Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: "E dizer que a obriguei a correr naquele estado!" A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto.

Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.

Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos.

Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.

Texto extraído do livro “Laços de Família”, Editora Rocco — Rio de Janeiro, 1998, pág. 30. Selecionado por Ítalo Moriconi, figura na publicação “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Amor Quem

O amor que eu levei pra frente não me adiantou...
Não me levou pra longe,
Não me deixou ficar perto.
Eu que queria tanto um amor...
Não sabia que eu na verdade queria o amor.
O amor de não sei quem,
O amor de todos.
Quem, alguém não me prestou, não presta.
Amor quem, que me deixa alguém,
Não serve porque estou ninguém.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

No Deserto



Quando a gente brincar de correr, você promete que vai me deixar ganhar? Você sempre na frente as vezes me deixa com vergonha. Eu poderia ir na frente, talvez na frente de mim mesma, ou na sua frente, só se você deixasse. Eu acabo sempre ficando para trás. Procuro ouvir de onde vêm os seus passos, mas é difícil. Não ouço nada. Vejo a rua, o campo, quase sempre fico sem te ver. Melhor sair sem, não ter o que procurar, deixar aparecer o que a vida me propuser. Queria brincar de correr, mas essa correria agora me parece mais séria, menos jogo, menos vida, mais preocupação. Correr é correr e pronto. Sem esperar porque tenho que, sem parar porque tenho que. Correr porque quero, cansar porque quero. Porque meu corpo pede e eu percebo.
Chove. O sol que vive no deserto, hoje pediu folga. A água molha esse tempo seco, tão seco que toda manhã fica difícil de engolir com a garganta tão seca. Chove no deserto, água vai lavar a estrada, limpar o terreno do lado de fora que já havia acumulado tanta areia.
Do que é que eu tenho sono agora? Um sonho que dá um nó e no final costura uma rede tão linda e confortável que eu choro de emoção e alívio. Um sonho, que aperta e desaperta minhas mãos, que seguram a roda que eu estava ansiosamente esperando pra jogar. Sonho que jogo a roda, viro o tapete, e a corda sobe para que eu possa vir escorregando lá de cima. Chego em casa, cheia de areia fofa.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Ontem, hoje e amanhã...

Hoje não foi ontem e ainda não é hoje, pelo menos o hoje que eu tinha antecipado, o hoje que eu tinha pedido. Hoje foi um hoje, e ontem um ontem, mas amanha, podia não ser um amanha, mas o amanha. Ai que vontade que dá de ver o que foi, sem correr o risco de abrir mão de todas as possibilidades de amanha. A separação do outro, uma separação de mim, de mim no outro, de mim com o outro. O outro sou eu, eu estou no mundo, nos outros, no fora. E por que fico sempre olhando pra dentro - o fora, posso me encontrar no fora que no fundo é dentro, e vira fora, porque é o que me conecta com todo, com a presença, com o hoje. Ontem, amanha é o dentro que vem de fora, quero o fora que vem de dentro. Essa peça que eu não consigo continuar, processar esse papel que me inspirou e me moveu. Vivo um momento de estagnação, quando penso no que venho criando. Quase não escrevo, quase não leio e quase não percebo as infinitas possibilidades do estar.