quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Quando dá tilt

Quando dá tilt no corpo - no cérebro - uma pane - um... não sei mais nada. Onde estou? Como prosseguir? O que fazer? Talvez um desamparo, presença, vida que expõe e desequilibra o seguro. Uma desestabilidade do estar. A cabeça não sabe e trava o corpo. O corpo pode ir sem a cabeça, pode estar presente e reagir, agir no momento e não na cabeça. A falta de controle liberta, não há o que fazer só estar presente.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

CHÃO

CHÃO QUE RACHA UMA QUEBRA, ABRE UM BURACO.

CHÃO COM UM BURACO ABRE ESPAÇO PARA ALGUÉM.

QUEM QUER CAIR?

ALGUÉM DISSE NÃO.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Minha casa organizada

Limpo as teclas do meu computador cheias de poeira e farelo. Algumas não têm jeito, vão ficar sujas. Fiz a minha cama, dois travesseiros de um lado, três do outro, isso porque tento ser justa e equilibrada. Arrumo minha cama toda manhã. Minha casa é toda aberta, não tem paredes, a cama tem que ficar arrumada sempre. Já o computador de vez em quando com menos poeira e farelo. Não consigo não acumular malas e sapatos na entrada, quase que impossível. Mais dia... menos dia... terei que pendurar as roupas que se encontram dentro das malas na porta de casa e guardar uns quatro pares de sapatos - tudo de volta para o closet. Meu apartamento não tem nem 50m2, mas tem closet e também tem área, copa, sala, quarto, escritório e um banheiro dividido. É um amontoado de áreas separadas e todas juntas num só espaço, como já mencionei não tem parede. Uma vida sem paredes.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Projeto Pause (II) - Dezembro 2010 RJ

Fotos minhas né gente, nunca coloco o crédito, mas já deve ser óbvio, não?
E quem tiver interesse em saber mais sobre Projeto Pause e seus outros trabalhos está no facebook - é só clicar no título em azul acima que vai direto pra página.








Eu fico sempre achando que é você.

Eu fico sempre achando que é você.
Eu fico sempre achando que é você que vai cruzar na minha frente, assim, bem no segundo em que eu pensei em você, e que eu vou poder falar: que coincidência, não é que eu estava pensando em você.
Eu fico sempre achando que é você que vai aparecer e dizer: pois é, achei que, o que eu queria era o que eu queria, mas o que eu quero mesmo é você.
Eu fico sempre achando que é você que vai ser você comigo. Só isso. Só comigo. E só você.
Eu fico sempre achando que é você, mas nunca é.
Eu fico, eu fico sem você. Eu fico comigo. Eu fico, mas como eu queria ficar com você.
Eu fico com espaço, fico oca, fico na expectativa da vida, que não é vida sem você.
Não sei quem você é, não sei quem eu sou com você, não sei.
Não sei, eu fico e não sei. Eu fico e espero. Eu espero e acho que pode ser você que vai estar sem querer, porque a vida quis, porque é isso, porque não sei, mas é, porque eu não sei por que, mas que vai ser você perto de mim.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Um hoje que já não é mais hoje, mas não é que poderia ser...

Quantas coisas novas vivi hoje. Hoje dei um salto, me vi há alguns anos atrás em fúria e agora na calma. Hoje confiando e tendo doçura pra aceitar o momento. Doçura pra aceitar o afeto, mesmo que não sendo o afeto idealizado, afeto de cinema, mas é afeto que me cabe hoje, é o afeto que hoje, eu tenho disponível dentro de mim. Hoje abri espaço para receber, e criar uma nova forma, saí da reatividade e da reprodução. Hoje estou mais sincera e mais delicada comigo. Sempre em transformação, sempre morrendo e nascendo. Beijei com calma, estive com calma, olhei sem pressa, só olhei, nem vi nada, nem pensei nada, só olhei. Foi a calma do presente que me trouxe essa nova possibilidade que eu nem sei o que é, se é ou não é, e nem me importa, agora não me importa. Quero confiar na vida. Mesmo nessa fase de tantas incertezas, tantas dependências, e falta de perspectiva eu agradeço estar passando por esse momento junto com todas essas outras que se somam dentro de mim, e me compõe hoje de forma caótica.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Benjamim - Proust - Tempo

Final de período, vários livros e textos pra ler, trabalhos pra escrever. Meu cérebro já está fritando, afinal não sou e não tenho a menor intenção ou pretensão em seguir uma carreira acadêmica e muito menos me tornar uma intelectual, mas não posso negar o prazer quando encontro um autor ou idéia que me afeta. Fui afetada por Benjamin e suas reflexões sobre Proust.

Walter Benjamim em A imagem de Proust - levanta questões sobre passado e presente na obra de Proust. Cito aqui duas passagens bem simples e fortes que me fazem muito sentido hoje.

"Pois um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma uma chave para tudo o que veio antes e depois." Walter Benjamim

continuando nesse pensamento...

Jeanne Marie Gagnebin escreve sobre Benjamim refletindo Proust - "O golpe de gênio de Proust está em não ter escrito "memórias", mas, justamente, uma "busca", uma busca das analogias e das semelhanças entre o passado e presente. Proust não reencontra o passado em si - que talvez fosse bastante insosso -, mas a presença do passado no presente e o presente que já está lá, prefigurado no passado ou seja, uma semalhança profunda, mais forte do que o tempo que passa e que se esvai sem que possamos segurá-lo. A tarefa do escritor não é, portanto, simplesmente relembrar os acontecimentos, mas "subtraí-los às contigências do tempo em uma metáfora." - Prefácio Walter Benjamin ou a história aberta do livro Walter Benjamim Obras Escolhidas Magia e Técnica Arte e Política

domingo, 28 de novembro de 2010

O Reino do Mar Sem Fim - Grupo Pedras

Último dia hoje 28 de novembro no teatro do jockey às 19:00













quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Diálogo treino - guarda -chuva

A - Aquele dia eu te achei bonita até com aquele óculos fundo de garrafa. Eu me lembro estava chovendo naquela noite.
B - Eu fui pra lá, você pra cá.
A - Mas a gente ficou junto um tempo antes disso. Eu fui até você. Você se lembra. Eu fui até você, eu fui até você, até você, até você.
B - Estava chovendo.
A - Você, você.
B - Estava chovendo?
A - Estava, estava chovendo.
B - Você me deu o seu guarda-chuva, lembra?
A - Você sempre gostou do meu guarda-chuva.
B - Você lembra disso?!
A - Como que eu não iria me lembrar!?
B – Não sei. A gente esquece das coisas.
A – Algumas coisas.
B – É.
A - Eu fui até você. Você se lembra?
B – O guarda-chuva. Você me deu o guarda-chuva. Eu queria tanto aquele guarda-chuva. Era o guarda-chuva da minha vida.
A - Eu fui até você. Você se lembra?
B - Você continua me perguntando isso.
A – Se lembra?
B - Ei moço! Ainda está chovendo?
A - Vai precisar de um guarda-chuva.
B - Pois é, nessa chuva...
A - Quer o meu?
B - O seu?
A - É. Posso te emprestar, depois você me devolve.
B - Tem certeza? Você realmente me emprestaria o seu guarda-chuva?
A - Já falei que sim. Eu te empresto, pra você não pegar chuva.
B - Eu aceito.
A – Você estava tão linda com aquele óculos fundo de garrafa. Meu deus...
B – Você.
A – Eu te amava de óculos fundo de garrafa.
B – Eu te amava.
A – Eu sei.
B – Eu não sabia. Eu amava o seu guarda-chuva.
A – Eu te amava.
B – Eu sei. Eu te amava.
A – Eu fui até você. Você se lembra?
B- Você me beijou pela última vez com amor.
A – Hoje eu não te beijo mais.
B – Hoje você não me mais com amor.
A – Mas eu te beijo, eu fui até você com todo o amor.
B – Eu te amava.
A – Eu te amava.
B – Eu não te amo mais.
A – Você não lembra?
B – Quase de mais nada.
A – Jura?
B – Sabe que é um alívio.
A – Sei.
B - As lembranças vem e em seguida me deixam.
A – Sei.
B – Eu lembro que eu não te amo mais
A – Eu lembro que eu te amava.
B – Acabei de esquecer se te amava ou não.
A – Eu posso te lembrar. Você disso agora pouco que me amava sim.
B – Então eu te amava. Se eu disse, então era. Mas já não me lembro mais. Me esqueço.
A – Você escolhe.
B – Pode ser.
A – Você era linda com aquele óculos fundo de garrafa. Como eu te amava com aquele óculos fundo de garrafa.
B – Seu guarda-chuva.
A – Sim.
B – Agora ele é meu.
A – Eu sei.
B – Eu sei.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A menina que dança

A menina que foi dançar não sabia direitinho o passo, se era um pra lá, dois pra cá, ou dois pra lá e um pra cá. Mas ela queria dançar, podia ser de olho fechado. Podia ser em suspenso. Ela nem sentia seus pés, eles queriam ir, queriam se perder, dançar... pra lá... pra cá... pra lugar nenhum. Era um dançar perdido, que não busca um encontro, que só dança e só se perde, só vive, só dança, só chora, só se emociona e só vive; e assim perdido se encontra, se encontra em seus pés, se encontra nela e se encontra no seu par que agora não tenta mais levar-la, vai junto com ela. Eles se perdem juntos, criam uma nova dança, uma nova estória, uma nova forma, um novo amor, um novo encontro. Eles são uns e cada um inteiro. Eles se amam, se dançam, se olham, se encantam, se olham, se olham, se apaixonam, vivem uns, vivem cada um. Que lindos, eu poderia ficar aqui olhando os dois dançarem uma vida toda, a minha vida toda. Eu daria a minha vida por um encontro, por encontros, por estórias de amor, por estórias de encontros. Eu daria a minha vida por viver, eu daria a minha vida para estar viva assim, agora, sem muita complicação, só viva, só agora, só nesse presente que assusta, mas é vida. Sou eu, a menina, o seu par, o encontro dos dois, eu, a vida, o outro, os outros, eu. A menina viva, presente com seu par, com seu encontro, seu presente, sua vida, sua história, hoje. A menina entregue dança e não quer saber para onde, só dança, só se perde, só se perde, só vive. É uma menina emocionada, uma menina viva, inteira e entregue. Meu peito aperta de ver a coragem dessa menina, coragem que ela tem de se perder e se entregar nos passos de uma dança que ela não conhece, nunca dançou, uma dança que talvez nem tenha música, ou que seja todas as músicas do mundo, e mesmo assim ela dança, ela se perde e ela vive. Coragem de encontrar nos seus pés, e no outro um ritmo, uma dança que ela descobre na hora, a cada segundo, e é como se sempre tivesse dançando aquilo, aqueles passos.

domingo, 21 de novembro de 2010

belle & sebastian - get me away from here, i'm dying

Música mais fofa que dá um aperto no coração...





Ooh! Get me away from here I'm dying
Play me a song to set me free
Nobody writes them like they used to
So it may as well be me
Here on my own now after hours
Here on my own now on a bus
Think of it this way
You could either be successful or be us
With our winning smiles, and us
With our catchy tunes and words
Now we're photogenic
You know, we don't stand a chance

Oh, I'll settle down with some old story
About a boy who's just like me
Thought there was love in everything and everyone
You're so naive!
They always reach a sorry ending
They always get it in the end
Still it was worth it as I turned the pages solemnly, and then
With a winning smile, the poor boy
With naivety succeeds
At the final moment, I cried
I always cry at endings

Oh, that wasn't what I meant to say at all
From where I'm sitting, rain
Falling against the lonely tenement
Has set my mind to wander
Into the windows of my lovers
They never know unless I write
"This is no declaration, I just thought I'd let you know goodbye"
Said the hero in the story
"It is mightier than swords
I could kill you sure
But I could only make you cry with these words"

sábado, 20 de novembro de 2010

Fragmentos de um treino num dia de chuva

A – Eu estou te olhando, mas não consigo te beijar.
B – Me beija.
A – Eu estou te olhando, mas não consigo te beijar.
B – Me beija aqui. Aqui ó, me beija aqui.
A – Eu não sei te beijar.
B – Isso um beijo.
A – Eu tenho medo de te beijar.
B – Beijo.
A – Medo.
B – Beijo, beijo, beijo.
A – Medo, medo, bei...
B – Beijo, beijo, beijo, me...
A – Do beijo medo.
B – Beijo, beijo, beijo.

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Menina você precisa ir embora. Eu não agüento mais você me perguntando se parou de chover. Por que te importa? Chuva é água.
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Menina que sai correndo quando não sabe o que fazer. Ela corre sem parar, com essa chuva que não cessa. Eu não quero água. Odeio me molhar. Odeio ter que usar guarda-chuva. Sempre quebra. São frágeis, ainda mais agora que são todos chineses, virou praticamente um artigo de uso descartável, dura apenas uma rajadinha de vento.
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Eu me apaixonei pelo guarda-chuva dela. Um guarda-chuva vermelho brilhante com bolinhas brancas. Eu namorei ela, mas o que eu queria mesmo era namorar o guarda-chuva dela. Queria dançar música lenta coladinho com o guarda-chuva dela. Queria abrir o guarda-chuva dela sem ter a necessidade de uma chuvinha ou um dilúvio. Eu não quero chuva, eu não quero ela.

Um diálogo bobo e simples em treino

18-11-10 Diálogo Treino

A – Que isso! Não fecha assim não! Tá agressivo por quê?
B – Eu quero vomitar.
A – Então por que fechou a janela?
B – Não quero mais ar. Eu to passando mal. Olha pra mim. To com cara de que?
A – Cara de masoquista sofredor.
B – Masoquista sofredor?
A – Você não acha que já rezou muito não? Não faz bem.
B – Fé?
A – É. Fé não te faz bem.
B começa pega na sua língua, e começa a gemer, não consegue falar direito porque está o tempo todo segurando a língua.
B – aaaa.
A – Que foi?
B – aaaaa...
A – Que que você tem?
B – aaaaa.....
A – Eu não to entendendo. Sua língua.
B – (com muita dificuldade) Minha língua. Aaaa....
A – Que carrego.
B – (ainda com dificuldade) Eu preciso rezar.
A – Vai ficar mais carregado.
B – (normal) Passou. (mostrando a língua) Ih, olha aqui. Olha.
A – Isso é baba?
B – É. (de novo pegando na língua) aaaa...
A – Passou?
B – (normal) Passou.
A – Vamos dançar agora?
B – Vamos.
Toca It´s the end of the world do R.E.M
Os dois dançam muito. Muito rápido, se perdem dançando.

sábado, 13 de novembro de 2010

Ainda no tempo, ainda do caderninho.

Eu quis vir para casa. Quis vir para cá ficar sozinha um pouco, ouvir um pouco de musica, ouvir o silêncio do tempo que passa. Tenho repetido que estou fazendo uma faxina na minha vida, arrumando os espaços, organizando as idéias e vontades, colocando metas no lugar, escolhendo as coisas que quero fazer, pessoas com as quais eu quero estar, portas que eu quero abrir, portas que eu gostaria que abrissem, e portas que vou entrar. Ganhei vários presentes esse ano - encontros, transições, mudanças, vida. Mais histórias, mais vida, mais pessoas, menos pessoas, mais vida. Tudo volta de diferentes formas e maneiras, não sei como e nem quando, mas tenho a impressão de que sempre se renova quando a gente vive.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Um dia no meu caderninho - ou um desabafo mais do que pessoal e íntimo

Um caderno de sonhos. Sonhos que depois que eu acordo eu nunca consigo me lembrar e raramente quando eu consigo, ou eu me esqueço de anotar ou fico com preguiça. E assim... Mais uma imagem, mais uma oportunidade de aprofundar um diálogo vai embora.
Ontem eu acordei de um cochilo assustada, com um susto. Me veio uma clareza, um sentimento, pensamento, imagem, tudo junto e era tudo muito real, concreto e objetivo. Uma percepção cruel de mim, da vida e do tempo. Já faz 30 anos que eu nasci. Serão 31 de vida, em menos de uma semana, já é um tempo. Um tempo muito maior do que eu fico achando ou querendo achar. A menina persiste dentro de mim com muitas vontades próprias, ontem me senti uma pessoa viva, com a percepção do tempo e da vida que já viveu e já passou. Foi um susto com a realidade que eu venho criando de mim e comigo. Pela primeira vez na vida sinto angustia com a chegada e passagem do meu aniversario. Uma angústia profunda. Uma dificuldade de aceitar que em poucos dias já estarei com 31 anos. Vivo uma negação, finjo para mim mesma que não está chegando, que não estamos em novembro, que não estamos no final do ano. Ainda não tive vontade de pensar e nem planejar nada. Coisa nova na minha vida. Estou triste, angustiada com medo do tempo e da vida que me transformam com ou sem a minha vontade. O tempo passa e eu vou junto sem saber de nada, tentando desesperadamente ser alguém, alguma coisa. Eu choro, é bom. Vejo meu querido avô sobrevivente do holocausto que já não sabe mais quem ele é – já está morrendo, meus pais que agora são avós e eu que preciso deixar de ser filha.

domingo, 7 de novembro de 2010

Monólogo em treino - Cadê a leveza do beijo que eu te dei?

Alguém – Cadê a leveza do beijo que eu te dei? Hoje eu olho para você e não me vejo, não vejo o meu beijo. Não vejo leveza. Cadê a leveza do beijo que eu te dei? Ontem você me beijou na boca e eu caí no chão. Não sei o que é que aconteceu. Eu caí com o seu beijo e você não caiu comigo. Hoje eu te dei um beijo fresco. Cadê a leveza do beijo que eu te dei? Cadê você que ontem me jogou no chão com o seu beijo? Eu caí no chão e fiquei jogada na tábua corrida novinha recém colocada, te esperando. Você não veio, você me beijou, você me apaixonou, você me deixou, você me pesou.Cadê a leveza do beijo que eu te dei? Onde é que eu fiquei? Onde é que eu estou sem meu beijo que foi leve, que foi apaixonado, que te viu ontem e não consegue te ver hoje? Cadê a leveza do beijo que eu te dei? Ontem seu beijo me jogou no chão, hoje o meu beijo pesou. Hoje eu não te vejo. Hoje você não está mais aqui. Acho que ontem eu caí porque você nunca chegou, eu nunca te conheci e nunca me apaixonei. Você nunca existiu, eu nunca fui leve, eu nunca beijei a leveza, eu nunca te beijei, eu nunca te vi. Você nunca existiu. Que pena, c’est la vie...

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Dialogo Treino Oi?

A – Você devia tentar pular com mais leveza. Eu sinto o chão tremer sempre que você desce. Chega a fazer cócegas no meu pé.
B – Vai dizer que você não gosta de cócegas no pé.
A – Eu não gosto de você.
B – Por acaso.
A – Não, não. Eu com certeza e por vários motivos não gosto de você. E eu não gosto de acasos.
B – Por acaso, você se segura nas certezas, mas não sabe nem por que. Isso é o acaso.
A – Ai meu deus. Para de falar. Você não me conhece. Eu não tenho a mesma cara, não tenho a mesma leveza que talvez um dia você possa ter conhecido.
B – Exatamente a mesma, com a mesma cara, o mesmo jeito. Dez anos depois e eu te reconheço no escuro.
A – Eu vou sair daqui, você está me inventando. Você está me impondo um eu, para eu mesma. Eu fiz uma escolha.
B – Vai dizer que você não gosta de cócegas no pé?
A – Eu escolhi uma outra possibilidade. Um dia li um livro, consegui me ver na personagem, me vi velha, amargurada e sozinha.
B – Você é jovem, ácida e solitária.
A – Hoje eu sou jovem, doce e completa.
B – Completa de que?
A – Não sei... da vida, de mim.
B – Sei... você vai amargurar porque se sente completa. Tão jovem, e já tão cedo sem espaço para somar.
A - Eu vou sair daqui, você está me inventando. Você está me impondo um eu, para eu mesma. Eu fiz uma escolha.
B – Pára com isso, pára com esse show, pára de inventar absurdos. Eu estou aqui para te jogar no chão, e em seguida vou embora.
A – Não sei mais o que dizer. Essa conversa já não está mais me fazendo sentido, não consigo dialogar com você. Você me perde.
B – Mas esse não é o propósito da vida.
A – Hã? Não entendi.
B – Se perder.
A – Se perder do que? Eu estou me perdendo.
B – Então você está se propositando na vida.
A – Não existe.
B – O que? Você está querendo inverter é?
A – Não existe propositando, eu te explico e você se encontra. Eu já não me lembro mais o que estava me perdendo.
B – O propósito. Se perder.
A – Me perder?
B – Esquece, você é uma que mesmo se perdendo não vai nunca conseguir se achar.
A – Você está me confundindo.
B – Que bom. Já é um começo.
A – Começo de que?
B – Qualquer coisa.
A – Que ótimo. Você é mesmo brilhante.
B – O começo de qualquer coisa não é para qualquer um não.
A – Mas para mim é?
B – Não, para você está sendo, mas já já, já pode não ser mais. Fica esperta.
A – E o que é que eu tenho que fazer então?
B – Nada.
A – Muito difícil isso tudo.
B – O nada deveria ser muito fácil. Mania nossa de querer fazer do nada qualquer coisa, só para dizer que é coisa.
A – Muito difícil isso tudo, sobre o nada e a coisa e a perda. E eu?
B – Você o que?
A – Quem que eu era?
B – Não sei. Mas tanto faz.
A – É né...? Tanto faz.
A já desnorteada, perdida, desequilibrada, cai no chão sozinha. B só olha em silêncio. A jogada no chão olhando pro teto, daquele jeito permanece. B vai embora.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Uma Boa Dica

Terça dia 09 de novembro é o lançamento do livro e guia de Buenos Aires - Bistrôs Buenos Aires, dando sequencia ao primeiro da série - Bistrôs Paris. O autor é o chef e fotógrafo Alex Herzog - meu queridíssimo pai!


E VALE SE CADASTRAR NO SITE QUE ESTÁ EM CONSTRUÇÃO - www.bistros.com.br - PARA CONCORRER A UM EXEMPLAR DO LIVRO BISTRÔS BUENOS AIRES.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Pode ser - Diálogo treino

A - O acaso me deixou assim, aqui pendurado.
B - O acaso me levou para outro caminho.
A - Mas você está aqui me vendo pendurado.
B - Mas eu sei que já já por exemplo você vai sentar.
A - Eu não sei por que eu estou aqui.
B - Eu não sei nem por que você está aqui.
A - O acaso?
B - É pode ser o acaso.
A – É o acaso.
B – O acaso.
A - Você poderia voltar comigo?
B - Sim eu posso voltar com você. Só me diz quando.
A – Certo.
B - Daqui a pouco chega a hora certa.
A - Não posso perder.
B - Eu vou tentar fazer tudo devagar para que você não se perca.
A - Eu estava falando da hora certa.
B - Eu também.
A - Talvez você pudesse deitar do meu lado.
B - Talvez eu pudesse sentar do seu lado.
Os dois deitam
A - Não fica de costas para mim não.
B - Se eu te olhar talvez me esqueça de te lembrar a hora certa.
A - É verdade eu não posso perder a hora certa.
B - Espera.
A - Eu estou aqui.
B - Eu tenho uma idéia.
Silêncio
B - Canta.
A - Eu não sei cantar.
B - Então não vai funcionar. Deixa pra lá.
A - Deixar o que?
B - Pra lá, a idéia.
A - É verdade. Vamos então jogar um jogo.
B - Jogo da espera.
A - Pode ser.
B – Tá.
A - Um, dois, três, quatro.
B - Cinco, seis, sete, oito
A - A gente vai ficar contando?
B - Quem espera conta.
A - Conta o que?
B - O tempo.
A - Não gostei.
B - A gente pode lembrar de coisas.
A - Eu não me lembro mais.
B - O que?
A - O que é que eu estou fazendo aqui?
B - Nós vamos embora juntos.
A - Tudo culpa do acaso.
B- Tudo culpa sua.
A - Eu estava me pendurando.
B - Então eu posso falar tchau e te empurrar.
A - E ir embora.
B - Então agora eu estou de dando tchau, estou te empurrando, estou te beijando e indo embora.
A - Não tinha beijo.
B - Foi o acaso.
A – Certo.

sábado, 23 de outubro de 2010

Tudo Certinho

Eu vou embora e você não vai nem ter me reconhecido. Eu falava com você todos os dias, e você não me dizia nada, não queria me ouvir não queria falar nada que me deixasse mal. As vezes eu tentava cochichar, achava que você não veria, que você não perceberia e hoje você está aqui me chamando, me falando de tudo isso que eu nunca percebi, nunca achei que pudesse ser importante para você. Eu me confundi com as coisas, com as escolhas , com o tempo. Com o nosso tempo, o nosso momento de sei lá o que. De pular e se jogar no que eu nem sabia que pudesse ser coisa. Eu saí correndo ontem de você, dos outro que não querem me falar, dos outros que eu não entendo, eu saí para fugir e nunca voltar por falta de vontade e falta de escolha. Aqui já não me serve, já fiquei aqui comigo. E você que nem sabe que não me serve. Vou embora, você que me ama não me conhece, não sabe de mim, só de mim que já é mim que você já me conhece. E o outro mim, os outros mins são tão mais possíveis e interessantes. Não existem, não se completam porque são impossíveis. Eu te amo sem saber, sem confiar sem estar. Eu te amo porque eu te amo, não sei por que eu te amo. Me falaram que era interessante eu te amar. Mas eu não quero mais eu te amar, eu quero eu me te estar, eu quero eu me estar. Sem saber de mais nada e de mais ninguém. Eu não quero mais ter que te procurar e te encontrar. Eu esqueci das possibilidades desse encontro que vai se interromper, fragmentar. Um encontro de um com uns, com os outros. Medo dessa confusão, das coisas que penso sempre em relação a você. Não sei o que isso pode significar, mas também não queria pensar em sentido, sentir, sentar, estar

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Deita em Mim

A - Ansiedade é uma coisa que mata.
B - Ansiedade me faz perder o controle.
A - Deita em mim, por favor.
B - Faz tempo que eu não faço isso. Era...
A - Deita em mim vai.
B - E depois como eu faço para levantar.
A - Depois você levanta.
B - Depois eu não vou mais querer. Faz tanto tempo.
A - Faz tanto tempo... deita em mim.
B - Eu tenho medo. Eu deito em você todos os dias e você nem sabe.
A - Faz tempo... a última vez foi...
B - Ontem eu deitei em você. Ontem.
A - Eu sinto falta do seu peso.
B - Hoje eu sou mais leve, não peso mais tanto.
A - Sinto falta da sua leveza que eu nunca conheci.
B - Deita em mim. Você não vai nem sentir.
A - Nessas horas eu sinto calor. Minhas costas sempre queimam.
B - Nessas horas eu tenho vontade rir muito.
A - De nervoso.
B - De medo.
A - De saudade.
B - De vida.
A - Eu tenho vergonha às vezes. Faz tanto tempo.
B - Você nem lembra mais de mim.
A - Você não é mais o mesmo.
B - Acabei de mudar.
A - Mentira.
B - Mentira é a leveza da distância.
A - Verdade. Ontem eu pensei em você e hoje você está aqui.
B - Você fala isso toda vez.
A - Toda vez é isso.
B - Eu penso.
A - Eu apareço.
B - Você sabe de mim.
A - Eu só sei de você e mais nada. Isso sim é leveza.
B - Isso é peso. Peso da sua existência.
A - Peso do meu corpo.
B - Deita em mim.
A - Deito em você só hoje.
B - Deita em mim.
A - Deito em você.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Dialogo Treino 3

A – Você está aí esperando?
B – Eu estou sempre esperando.
A – O que?
B – Sabe que eu não sei. Eu só espero.
A – Eu não tenho paciência para esperar. Estou sempre antecipando tudo.
B – Pois é, você acha que controla.
A – Você também, porque quando espera acha que pode escolher ou saber a hora certa.
B – Hora certa! É porque a gente pode sentir quando é a hora certa. Isso não é controle, isso é disponibilidade ou até entrega.
A - Você pode dar o nome que quiser. Para mim é um tipo de controle.
B – Por que você não vai embora e me deixa esperando?
A – Porque eu tenho que ficar aqui do seu lado.
B – Quem disse?
A – Ninguém, eu sei. Também sei que você deve pular enquanto espera.
B – Pular?
A – É pular.
B – Quem disse?
A– Ninguém. Eu sei. Pula.
B – (começa a pular) E agora?
A – Fica aí pulando, senão você se desconecta.
B – E o que é que eu faço se eu me desconectar?
A – Para de pular e se joga.
B – O que é que você disse?
A – Que você pode se jogar caso se desconecte.
B – Não me desconectei. (sem parar de pular) Ó to aqui, ó to aqui.
A – Muito bom! Parabéns.
B – (se joga no chão) Qual é o meu nome?
A – Nome? Mas você não estava esperando?
B – Estava? Espera. Esperando o que?
A – Ué! Você disse que estava esperando a hora certa.
B – Estranho. Esperar a hora certa, e aí depois eu paro de viver?
A – Acho que é por isso que você nunca teve um grande amor.
B – Mas eu esperei de calcinha vermelha.
A – Você acha o que? O que é que você está pensando?
B – Eu estava pensando nisso.
A – Não mente.
B – Me tira daqui.
A – Se joga de novo.
B – Você está me confundindo. Me solta. Me larga. Eu não sou você.
A – Você não sabe.
B – Me tira daqui. Eu não estou morta. Ontem eu dei o cú. Eu não estou morta, eu dei viva. Viva! Eu não estou morta.
A – Quem disse que você está morta? (rindo) Que doida! Você não estava só esperando?
B – Eu estava? Não me lembro. Eu estou viva. Não me lembro.
A – Você está esperando morrer.
B – Pode ser. A hora certa vai chegar. Aos poucos eu me perco de mim. Você não pode me matar. Eu tenho a hora certa.
A – Você e a hora certa. Que boba. Hora certa... Se joga!
B – Eu não consigo. Não consigo me ver de fora. Acho que estou perdendo o meu contorno.
A – Eu estava pensando nisso.
B – Pensando em que?
A – No seu contorno, e não é que eu não estou mais te reconhecendo. Talvez você realmente devesse se jogar. Quem sabe alguma coisa acontece. Vai que você se reconecta.
B – Mas se eu me reconectar, não vai chegar a minha hora?
A – Que hora?
B – Hora certa.
A – Hora certa de que?
B – De morrer, viver, voltar...
A – Voltar para onde? De onde você veio?
B – Acho que eu tive um fusca, me lembro disso. Consigo até ouvir o barulho do motor dele, parecia sempre que ia morrer a qualquer segundo.
A – E o que mais?
B – Que mais o que? Um fusca já é uma boa lembrança. Me faz ser alguém.
A – O fusca te faz ser alguém?
B – Não a lembrança me faz ser alguém. Meu nome pode até ter sido Carmem.
A – Carmem?
B – E também me lembro dessa frase – “Todo grande amor sempre acaba.”
A – Quem te falou isso?
B – Bom aí você já está querendo demais. São três lembranças! Eu estou viva e talvez não saiba hora certa de morrer.
A – A é? Três lembranças e agora você está achando que se conectou. (risos) Coitada.
B – Carmem, meu querido fusca e “todo grande amor sempre acaba”. Pronto. Sou alguém.
A – (rindo muito)
B – Eu sou Graça. Isso! Meu nome não é Carmem é Graça! Maria da Graça. Eu sabia que tinha um nome comum.
A – Prazer Maria da Graça. Eu voltei. Você está pronta?
B – Eu nasci pronta. Vamos.
A – Me acompanhe.
B – Com prazer. Vamos.
A – Vamos.
B – Vamos.
A – Tchau.
Duas sequencias que podem continuar esse dialogo.
PRIMEIRA

(A vira de costas pra ir embora sozinha, mas não ouve o tchau de B, então vira de novo)
A – Me dá tchau porra!
B – Oi.
A – Eu estou indo embora. Com ou sem tchau. Você escolhe. Tchau.
B – Oi, fica.
A – Tchau eu vou.
B – Me beija.
A – Você nunca quis me beijar.
B – Hoje eu quero.
A – Hoje eu vou embora.
B – Hoje eu te beijo. Amanhã você vai embora.
A – Amanhã eu beijo outro e depois outro. Hoje eu vou embora. Tchau.
B – Tchau. Já me esqueci de você e do seu beijo.
A – Eu nunca te beijei.
B – Você também se esqueceu.
A – Impossível.
B – Impossível...
A – Tchau. (sai)

SEGUNDA
A – Prazer Maria da Graça. Eu voltei. Você está pronta?
B – Eu nasci pronta. Vamos.
A – Me acompanhe.
B – Com prazer. Vamos.
A – Vamos.
B – Vamos.
A – Tchau.
B – Morrer às vezes é um alívio.
A – É eu tenho dó de quem fica, não de quem vai.
B – E como é que você faz?
A – Eu me desconecto.
B – Me coloca ali.
A – Aqui está bom?
B – Perfeito. Agora pode ir.
A – Tchau.
B – Só mais uma coisa.
A – O que?
B – Me beija.
A – Sim. Eu tinha pensado nisso. (beija)
B – Obrigada.
A – Tchau.
B – Tchau. Agora sim eu posso viver.
(chega outro, C)
C – Oi, cheguei. Agora você vai viver.
B – Eu sei. Eu acabei de falar que estava pronta para viver.
C – Isso. Então vamos começar. Chora.
B – (finge que chora)
C – Não. Tem que chorar de verdade.
B – Eu não sei chorar de verdade.
C – Então você já morreu.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

3 - CENA - Uma Parte

Ele fica sentado, por alguns segundos até se perceber boneco, mas agora já se sente outro.
Ele - Eu quero sugestões. Alguém tem um nome, qualquer nome, não precisa ser conhecido, não precisa ser original. Hein, alguém... você alguém quem é? Qual é o seu nome? Eu nunca pensei pra que servia um nome, além do objetivo óbvio e comum – i-den-ti-da-de, i-den-ti-fi-ca-ção. Hoje desejo um nome, acho que eu poderei estar alguém através dele. Me encontrar e não me identificar.
Mulher outra, com outro estado. (pode ser a mesma ou outra atriz) Despojada, confiante, sardônica, ocupa todo o espaço com sua presença, ela está. Essa mulher entra com um microfone na mão, cantando (música a decidir), canta para o público, interage com um ou outro espectador, seduzindo, não importa se é homem ou mulher. Ela também canta para Ele, mas ele não a enxerga, nem a ouve.
Mulher – Eu procurei no dicionário, sinônimos da palavra identidade, achei que vocês poderiam achar interessante. Eu achei interessante. É interessante pensarmos nas conotações, sei lá a gente passa uma vida se definindo, buscando uma identidade. Vamos-lá, preciso me conter, sou capaz de ficar aqui falando com vocês qualquer coisa, com sentido ou não. Foco.
Mulher tira de sua bolsa (pode-se pensar em outra possibilidade)placas com as palavras, e mostra para o público, enquanto declama cada uma respectivamente.
Mulher - Identidade – Analogia – Carteira – Coincidência – Comunidade – Igualdade. Identidade sempre em relação a algo que está fora.
Ele - Você tem um nome que me ache? Você não gostaria de tentar me achar? Não adianta, seus nomes não me encontram. Eu tento um olhar para dentro, vejo fragmentos de letras, silabas, marcas e cores que surgem. Pode ser que meu nome venha de lá, lá longe, lá dentro. Um nome, alguém tem um nome... (silêncio)...
Mulher – Ele precisa de um nome. Qual nome. Ele escolhe? Mas se ele não escolher quem decide, quem sugere, quem namora um nome?
Ele – Alguma sugestão? Um nome?
Ele abre pastas que estão cheias de letras avulsas, joga tudo no chão, tenta organizar, brinca com as letras e suas possibilidades na busca de um nome. No quadro atrás ele prega as letras, a platéia lê combinações que não fazem sentido. Ele permanece nessa ação.
Mulher - Ele não é ela, ele não é ela vestido dela. Talvez ele possa ser ela, quando ela quer ser ele ou até outro, mas não ela e não mulher. Ele senta como homem, como mulher, senta estando, senta com presença, perplexo não consegue, possivelmente nunca soube um nome.
Ele – Burg... Trrivs... um nome... Eu me chamo alguém. Alguém tem um nome? Alguém com a mais boa vontade, poderia me sugerir alguém. Talvez alguém que já exista, ou já existiu. Um nome, eu alguém não sei quem já fui, não sei se já fui alguém, não sei que sou, ou se sou alguém. Um nome de ninguém pode ser um nome para mim, para o meu alguém que ainda é ninguém, ainda não é eu. Eu sou ele. Eu estou alguém em ninguém. Ugko, jern...
Mulher - Com certeza ele não sabia o nome dela, nunca tinha pensando na importância ou talvez no valor de um nome. Ele era capaz de sentir o cheiro dela mesmo que vindo de outra cidade. Ele que ainda não tinha um nome e nunca soube o nome dela, através de suas camadas mais superficiais vibrava em harmonia com o corpo dela, e vibrava dessa maneira só com o corpo dela. Sua capacidade de experiência-la ultrapassava a necessidade de um nome. Nome era para os outros, para aqueles que não se entrelaçavam, não se emaranhavam, ele não precisava de um nome até hoje, até agora. Agora que ela foi embora, ele não sentia mais cheiro, seu corpo não vibrava, não harmonizava mais. Um corpo em caos. Ele nunca precisou do nome dela, ele não precisa mais do nome dela afinal ela já não é mais ela, não aquele ela com ele, e ele não é mais aquele ele com aquele ela. Quem é ele agora? Ele quer um nome, ele precisa de um nome, ele quer se ver dentro.
Ele continua brincando com as letras, emitindo sons de possíveis nomes.
Mulher – Que tal Alfredo ou Jacques. Isso Jacques, Jacques é bonito, soa elegante, JACQUÊS (sotaque francês), nossa eu adoro francês, é lindo! Jacques, pronto.
Mulher vira para ele e fala alegremente.
Mulher – Jacques, querido!
Ele continua naquela mesma ação, não ouve a mulher.
Mulher – Jacques! Você não queria um nome! Eu escolhi. Jacques querido, presta atenção. Pára Jacques, pára de mexer nisso, fica quieto. Jacques, Jacques, Jacques.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Auto-Retrato em Movimento

Um primeiro levantamento de sequencias, tentando editar... tarefa dificil...

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Diálogo parte II ou segunda variação treino

A - Um paredão. É isso. Uma parede grande, de concreto que eu nunca consigo atravessar. Eu me jogo na parede, mas não é o chão, não me segura – me interrompe.
B - A gente anda e de repente aparece uma parede.
A - Eu sempre me porro na parede.
B - Eu sempre me jogo no chão.
C - Eu sempre vago, nunca fui interrompida, a verdade é que eu danço tango pela vida.
A - Não mente.
B - É verdade, você nem sabe dançar.
A - Eu já tentei ensinar-la a dançar, mas ela mais pula do que dança.
C - A verdade é que você não sabe me pegar.
B - Ele não quer te pegar.
A - Você morreu, não adianta pular. O chão te segura, mas não te reanima.
B – Eu já pensei nisso.
C – O que é que foi que você disse?
B - Eu já pensei nisso.
C – Não, o que é que você falou antes?
B - Não me lembro. Acho que...
C – Eu morri. Você disse que eu estou morta.
A - Foi isso que eu disse.
B – Era isso que eu tinha pensando.
C – O que é que a gente faz quando a gente se desconecta?
A - Depende do que.
C - Do que o que?
A - Depende do que você se desconecta.
B - Da vida, do outro, de casa, da vida, de você.
C - Eu não escolhi morrer. Eu nem sabia que eu tinha que morrer. É pra eu me jogar no chão agora?
B - Como é que você morreu?
C - Como é que eu morri?
A - Você perdeu um grande amor.
C - Quem era ele?
B - Eu estava pensando nisso. Meu grande amor já passou.
A - Eu estava pensando nisso. Eu nunca tive um grande amor. Eu não gosto do chão, não gosto do limite, não quero me amarrar.
C - Meu grande amor... Eu tive um grande amor e agora eu estou morta e eu não me lembro. Qual era o nome dele?
A - Nome? Pra que? Não muda nada.
Os dois falam ao mesmo tempo, uma sobreposição de comando.
B - Espera! Se acalma.
A - Se acalma, espera.
B - Espera, espera. Espera.
A - Se acalma.
C - Espero. Me acalmo. Espero sem saber, sem lembrar, sem ser. Acho que não sou mais ninguém mesmo, as lembranças não me pertencem. Eu espero. Eu estou calma.
A - Você só podia ter morrido. Não importa de que jeito.
B - Você já não prestava. Já não queria mais se jogar no chão. Você já morreu.
C - Um, dois, três morri! Não funcionou.
B - Engraçado eu estava pensando nisso.
A – (dando ordem para C, C imovél não obedece nenhum comando) Pára. Senta. Pára. Deita. Pára, senta. Pára, se joga.
C - Eu morri. Como é que eu morri? Não me deixa voltar pro zero. Como que eu faço para renovar?
B - Seu nome era um nome comum, tipo Maria.
A - Não seu nome era Carmem.
B - Talvez Ana.
C - Eu não me vejo como Carmem. Você está rindo do que? Não tem a menor graça!
A - Você acha que se vê.
B - Isso é engraçado.
C - Olha pra mim. Eu não consigo atravessar um muro e o chão me segura.
A - Você acha que se vê. Ajoelha e reza.
C se joga no chão.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Diálogo em treino e em open.

A – O que é que ele quer? ...eu sei..., mas deixa pra lá.
B – Não não. Me diz. Deixa pra lá.
A – Mas é que eu ainda tenho dúvida.
B – De vez em quando eu me jogo no chão só pra saber que eu tenho limite.
A – (silêncio)
B – Espera não vai embora, você não me disse ainda.
A – Eu nem sei mais o que eu ia dizer... (entra música) essa música puta que pariu, não totalmente puta que o pariu.
B – Que que foi? Puta que pariu o que?
A – Espera foi ontem que eu... que que foi? Tá rindo por que?
B – Você. Você se desconectou.
A – De vez em quando eu me jogo no chão só pra saber que eu tenho limite. É difícil sair daqui, a gente sempre tem uma coisa que prende.
B – É. A verdade é que é difícil sair daqui, a gente fica confortável com facilidade.
A – É. E quando fica confortável você se joga no chão.
B – Na realidade eu me jogo no chão porque gosto do chão.
A – Eu não consigo te dizer a verdade e você fala da realidade.
B – Eu falo muito facilmente, choro facilmente, riu facilmente, mas nem tudo isso na verdade é verdade. A verdade é que eu tenho muito medo de ficar sozinho.
A – E eu tenho medo de morrer.
B – E eu tenho medo de viver, e tenho medo que os outros morram.
A – As vezes eu acho que estou doente.
B – Eu posso morrer e nem saber que morri.
A – Eu tenho medo de ficar sozinho.
B – A verdade é que eu sou alcoólatra.
A – Calma. Espera! Espera! Eu falei pra você esperar! Espera aí!
B –Calma você só tá fazendo terapia há dois meses. Se acalma!
A – É que eu não durmo, eu sou alcoólatra, viciado, me espera. Me espera. Não me deixa! Eu não quero ficar sozinho.
B – Ele tem medo de morrer. Me fala o que você sonhou ontem.
A – Eu não vou contar. Não vou chorar meu sonho. Meu choro que me diz, que conversa comigo e me ampara. Eu não sou maluco. Eu não preciso de ajuda.
B – Eu não quero te ajudar. Você me paga e eu te ouço, é só e pronto. Simples assim.

Continuação diálogo término ele e ela

Ela com se tivesse saído. Vira pra frente e ele que ficou também vira pra frente. Os dois falam um de cada vez, não se ouvem.
Ela - Depois que eu fui embora eu cantei e gritei um agudo que nem eu sabia que tinha, que estava dentro de mim. Minha garganta secou e sufocou a minha voz. Não consegui mais emitir sons pela minha boca.
Ele – Depois que você foi embora eu cantei e gritei um agudo para o meu travesseiro. Ouvi minha voz desesperada abafada na fronha e na pena. Não podia vacilar e deixar o vizinho ouvir meu choro. Minha boca agora murcha, com voz, mas sem vida, quase que sem língua. Não quero mais beijar ninguém.
Ela – Eu quero sair e beijar o primeiro que cruzar a rua.
Homem passa cruzando. Ela agarra e beija o homem, ele se assusta mas não recusa o beijo. Os dois se beijam apaixonadamente, e ele o ex pára e olha a agarração. Ela arranca a roupa dele, arranca a roupa dela. E no meio dessa loucura, desse ímpeto ela pára e pergunta o nome dele.
Ela – Qual o seu nome?
Homem perdido, não entendendo direito aquela cena bizarra.
Homem – uh... eu... eu não sei... eu esqueci...
Ela – Deixa eu ver a sua carteira? (Vê que Homem ficou só de cueca e que não tem carteira nenhuma nele, deixando-o sem graça.)
Homem – ah.. uh... a minha carteira.... carteira. Eu não tenho carteira.
Ela – eu não acredito. Cade? (começa a mexer nas roupas que foram jogadas no chão) Ah! Achei!! (debochando) Não tenho carteira, bla bla bla... esqueci meu nome... bla bla bla... eu também. eu também esqueci meu nome... (Ri) eu também não tenho carteira, identidade então! Nunca tirei uma, eu não existo, não tenho nem certidão de nascimento, (rindo), eu não tenho mãe nem pai, nasci nem sei como, eu nasci já esse eu de agora. Sem nome nem documento nem história... (debochando), pega a carteira, abre e começa a tirar vários papeizinhos, vários -um exagero, é interminável. Tenta ler as anotações, tudo muito confuso. Finalmente chega no documento olha e lê.
Ela – (continuando o deboche)Eu não tenho nome... aqui ó, seu nome é... deixa eu ver...Chargeson. Chargeson!? Chargeson não é nome!!! É mistura de seriado japonês tosco e algum “son” da vida. Chargeson! Ô coisa cafoninha.
Homem – Chargeson? Meu nome é Chargeson? Tudo bem então me chama. (vira de costas e espera)
Ela – Oi?
Homem – Me chama. To esperando.(vira de costas novamente.)
Ela – A tá. Ô Chagerson!!!
Homem – imóvel permanece de costas
Ela – Ô esse menino Chargeson! to chamando! (cutucando ele)
Homem – (toma um susto) Oi? Você me chamou? Ta vendo eu te disse, meu nome não é Chargeson, eu teria atendido de primeira, eu não sei o meu nome. Qual é o seu nome?
Ela – Qual é o seu nome?
Homem – Não qual é o seu nome?
Ela – Não qual é o seu nome?
Começam a elevar o tom, falam ao mesmo tempo, gritam se irritam e ficam agressivos.
Ele que estava olhando, faz algum barulho (a decidir, grito, apito, batida) e interrompe a discussão, os dois agora mudos olhando para ele.
Ele – (Para ela) Seu nome vai ser Nora. (para homem) E o seu é Homem.
Ela – Mas e hoje?
REWIND. Tempo volta para o inicio da discussão.
Ela – Qual é o seu nome?
Homem – Não qual é o seu nome?
Ela – Não qual é o seu nome?
Começam a elevar o tom, falam ao mesmo tempo, gritam se irritam e ficam agressivos.

sábado, 2 de outubro de 2010

história em treino, esse menino existe.

O Leandro com quinze anos era um menino muito perdido e desencontrado. Ele não tinha muitos amigos, na verdade tinha um amigo, que só ele conhecia, só ele via. Um amigo que vinha de algum lugar que talvez nem fosse lugar, pelo menos para nós que sempre precisamos explicar as coisas e as pessoas. O Leandro não, ele era perdido e exatamente por ser perdido é que ele tinha a sorte desse encontro. Todos os dias o seu amigo passava no jardim da sua casa gritando por ele pra jogar bola, correr, conversar. Eles passavam horas juntos e nem percebiam o tempo passar. Esse era um amigo de verdade, um amigo que estaria sempre ali disponível, um amigo que ele não precisava se preocupar. E assim foi durante muito tempo, até o dia em que ele teve que se mudar, seu pai foi transferido e claro ainda um menino adolescente teve que ir junto. Na sua nova casa, que era um apartamento no décimo andar nunca mais seu amigo apareceu, e Leandro que já não tinha muitos amigos, na verdade só tinha um, naquele momento ficou sem nenhum.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Um dia, meio dia de um jeito.
Meio segundo de outro e depois outro.
Hoje não sei bem, é bom não saber bem.
Quando sabemos bem acho que não sabemos nada.
Talvez ou sempre não sabemos nada.
É um combinado entre nós e nós mesmos, entre nós e os outros de que sabemos, de que somos alguém ou qualquer coisa.

domingo, 26 de setembro de 2010

Quando eu espero por alguém, na espera eu pemaneço - paro de pensar, paro de olhar, quase que não respiro mais.

sábado, 25 de setembro de 2010

Faz Parte de um Todo - Voltando...


Hoje me lembrei, hoje vivi, me lembrei de você. Como você era, como você pensava e o que você sentia. Quis correr pra bem longe de você mas não tem jeito né, não tem saída, ou era você ou era você, então eu escolho... você. Eu não sei bem o que pensar, não consigo organizar compreensão para julgar. Talvez isso seja bom, acho que isso é muito bom. Hoje não me importa quem você foi e como você vivia e o que você fazia e como você pensava. Hoje me importa você hoje, como você pensa, como você chora, como você come como você ama. Eu não amo mais, e você? Nunca amou né, eu me lembro ...você sempre contava suas historias e seus sonhos acordados, e sonhos sonhados, e sonos perturbados e sonos acordados, sonos tensos acordados, fingindo estar dormindo. Eu sem você hoje sou eu hoje, eu com você hoje somos, você sem mim hoje continua você, você sem mim lá não existia. Você me libertou de mim, hoje estou mais próxima de você, porque eu voltei, eu comecei o retorno do conhecido estranho. Hoje me amo em você com medo de viver e medo de estar.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Ani DiFranco Records "Both Hands"




I am walking
out in the rain
and I am listening to the low moan
of the dial tone again
and I am getting
nowhere with you
and I can't let it go
and I can't get through...
the old woman behind the pink curtains
and the closed door
on the first floor
she's listening through the air shaft
to see how long our swan song can last
and both hands
now use both hands
oh, no don't close your eyes
I am writing
graffitti on your body
I am drawing the story of
how hard we tried
I am watching your chest rise and fall
like the tides of my life,
and the rest of it all
and your bones have been my bedframe
and your flesh has been my pillow
I am waiting for sleep
to offer up the deep
with both hands
in eachother's shadows we grew less and less tall
and eventually our theories couldn't explain it all
and I'm recording our history now on the bedroom wall
and eventually the landlord will come
and paint over it all
and I am walking
out in the rain
and I am listening to the low moan of the dial tone again
and I am getting nowhere with you
and I can't let it go
and I can't get though
So now use both hands
please use both hands
oh, no don't close your eyes
I am writing graffitti on your body
I am drawing the story of how hard we tried
hard we tried
how hard we tried

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Eu sou o que eu vivi. As pessoas que conheci. As comidas que eu comi e as roupas que eu vesti. Carros, nhá bentas e momentos que meu pai me deu. A boneca que eu poderia levar para a escola contra a minha vontade. A clavícula quebrada por amor e por falta de amor. A fazenda com cheiro de bosta de cavalo e pasto. Risadas, lágrimas e histórias da vida de outros que me foram contadas, outros que conheci e outros que não conheci, mas fui afetada. Brigas... longas brigas que eu não me lembro, mas estão em mim junto com o Dudy, Loly, Portos e Kalua. Com panqueca e karo e soldadinhos de chumbo. Eu sou o outro em mim. Fico perdida comigo, com o meu momento, com a vida, com a minha história, vontades e sonhos. Perdida com quem eu sou agora, quem eu estou agora. Sou minha mãe durante anos sem saber o que nasceu pra fazer, sou a minha mãe encontrada, sou o meu avô que sobreviveu o holocausto e está hoje vivo perto de mim, com a guerra, a vida e a despedida dentro dele - despedida da historia da vida dele e das pessoas sem ainda nem ter morrido. Quem é o meu avô? Eu sou meu avô, minha avó que sempre esteve geograficamente perto, mas nunca conheci. Já tivemos o mesmo olhar, um dia vi numa foto dela a minha foto. Sou a minha família que julgo tanto, que critico tanto, sou medíocre que nem eles - está tudo em mim. Eu sou tantas músicas, cheiros. Estou perdida, mas escrevo aqui coisas, pessoas e lembranças que me mapeiam, que me encontram e me perdem, porque também não sou nada disso. Amanha já posso não ser mais nada, amanha já não estou mais aqui, não porque posso morrer, mas porque posso esquecer tudo e todos. E quando a gente esquece? Quem somos sem memória, sem história, sem reconhecimento? Quem sou eu sem essa minha crise de hoje? Quem sou sem meu encontro de ontem? Será que somos mesmo? O que eu não me lembro está em mim, e eu nem sei que diferença faz, tenho medo de perder pessoas, histórias, lembranças e nem perceber que eu perdi. Quando a gente perde e sabe, a gente vive a perda , o luto, o sofrimento. Mas e quando a gente perde e não sabe o que perdeu.? E só daqui um, dez ,trinta anos a gente sente falta.E quando o que foi perdido é muito importante, mas mesmo assim a gente não se lembra de ter perdido, é como se nunca tivesse sido vivido. Sinto angustia de perder momentos e afetos sem perceber, sem querer, só porque sou o acumulo de muitas coisas significantes e tolas. Me perdi de mim mesma.

sábado, 18 de setembro de 2010

A Menina que Colecionava Chatices

A menina sabia tudo o que tinha que fazer sem nunca ter visto ninguém antes fazer aquilo, que ela não sabia o que era, mas sabia o que tinha que ser feito. Como é que a gente sabe o que fazer, mas não sabe o que é? A menina sabia, a menina também não tinha nome, ela era conhecida como a menina que colecionava chatices, ela sempre sabia o que tinha de ser feito, sempre tinha uma opinião, tinha o seu jeito de pensar e agir e facilmente impor isso em qualquer um, não importava quem. Ela queria falar, queria dar palpite, queria se meter, queria dizer, não - mais do que isso, queria ser a dona da verdade, dona do mundo, dona dos pensamentos dos outros, sem saber o que todas essas coisas eram. Ela tão jovem, com tão pouca experiência, enchia os outros de opinião, ela colecionava chatices. Ela era grande, pesada, com bastante carne, tinha coxas que roçavam uma na outra e quatro rolinhos de gordura que se encaixavam em torno de sua barriga. Aquele peso todo, era a sua coleção de chatice que já tomava forma em seu corpo, ela mesma não se agüentava – é difícil sempre saber o que tem que ser feito, sem na verdade não saber nada de nada. Ela tinha muitas chatices, dava passos bem curtinhos, mas sempre acelerados, tinha pânico de ficar para trás, vivia olhando para os outros tentando alcançar o ritmo que vinha de fora, e na primeira brecha, lá tentava ela de novo, impor o seu ritmo, como se fosse o melhor, o único jeito certo, de fluir. Mal sabia ela que quando se pensa no jeito certo, já não se pode mais fluir, quando a gente flui com os outros e com a vida, não tem certo nem errado, as coisas só estão, e uma hora pode ser preto e logo em seguida ser branco, um brigadeiro pode sim ser doce e outro amargo e não tem nada de errado nisso, porque com certeza deve ser muito melhor comer um brigadeiro doce depois do amargo, do que só comer o brigadeiro doce. As pessoas sentiam a presença da menina de longe, sua voz estridente era inconfundível, uma voz de cabeça, que parecia que ia fazer com que as veias em sua testa fossem explodir a qualquer momento de tanta força que ela fazia para falar, para ser ouvida e principalmente ser levada a sério. Mas ninguém levava a menina a sério, ela colecionava chatices, chatices que esbarravam no bem estar do outro. Uma menina solitária que sabia sim muitas coisas, que sabia e nem sabia por que, coisas que poderiam fazer sentido, e trazer muitos amigos e ouvidos disponíveis, mas ela não sabia como dizer as coisas, ela não tinha jeito, não tinha tato nem delicadeza, nem disponibilidade. Era uma menina que não sabia ouvir, mas sabia falar, e sabia tudo o que tinha que fazer, mas só conseguia falar, não dava chance de vida para seus ouvidos. Ela vivia colecionando chatices.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Saudade de você.

Hoje senti saudade de você.
Que coisa mais chata, ainda sentir saudade.
Achava que o tempo tinha acabado com a minha saudade.
É tudo sua culpa, a saudade, tristeza, vazio, incerteza, medo, saudade.
Ontem não senti saudade de você.
Ano passado também não, você viajando e eu não sentia saudade.
Saudade sinto hoje, não sei nem mais do que, da presença, da ausência. De mim.
Saudade de mim com você.
Saudade de você.
"Passa logo, e no fim tudo dá certo." - Ontem me falaram isso, e eu nem estava sentindo saudade. Hoje lembrei disso depois da saudade.
Amanha já não lembro mais de você.
Hoje sinto saudade.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Mais auto-retratos 98...

Pois é, esses auto-retratos que estão começando a dominar esse blog, são eu organizando as minhas fotos e vendo o que que restou e o que eu tenho que reampliar. Todas do tempo em que fazia faculdade de fotografia na universidade da florida, todas trabalhos que foram apresentados e criticados. Sim eu gostava muito de me fotografar, afinal a inspiração vinha de madrugada, sozinha não tinha outra opção, era eu ou eu mesma. Vários professores também pediam auto-retratos. Enfim ainda vem muita foto por aí, espero que não cansem... Vou colocado aos poucos.


sábado, 11 de setembro de 2010

PRIMEIRA SÉRIE DE AUTO-RETRATO 1998

Feita com uma Nikon 6006 - filme TMAX 400 - ampliação em papel de fibra


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Eu sinto saudade, sinto falta. Sinto orgulho, mas sinto falta. Sinto tristeza, e orgulho. Sinto uma leveza, mas algo preso, que me aperta a alma, o peito. Fiz um grande movimento, uma grande decisão, sei que esse é o meu caminho, que essa é a minha vida, e essa sou eu nesse mundo que é muito maior. Sou eu acreditando e confiando no todo. Estou presente, verdadeira com muita saudade, falta, tristeza, felicidade, orgulho, falta e tristeza.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Lamento Sertanejo

Estou eu aqui lendo textos meus antigos. Lembrando de momentos e percebendo a minha trajetória até o dia de hoje, até esse meu estar. E ganhei uma musica de presente, uma música que me trouxe o passado no coração, nas minhas lágrimas e na saudade. Uma saudade que é feliz e satisfeita pela vida que já foi, uma saudade que só quer ser saudade, não quer voltar nada, ser nada e nem estar nada. Saudade com muito afeto, saudade de peito apertado/aberto e preenchido pela história, pela troca, por um companheirismo, um encontro de alma que como tudo passa e vai e abre o vazio para outros encontros, e mais momentos e mais histórias e trocas e companheiros. A vida vem, e a gente tem que ir junto, não dá pra segurar nem querer segurar, voltar. Eu quero ir, quero ser levada, sem reservas, sem planos e sem destino. Não canso de repetir o meu profundo desejo pelo presente, pela presença, pelo estar.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Um Dia Desses.... 06/01/08

Estou apaixonada. Só quero escrever isso, só sinto essas duas palavras, as duas únicas que me fazem sentindo. Estar, estar, estar.... Não quero ser. Paixão, estou. Não sou paixão, não sou apaixonada. Não sou nada, estou sempre. Apaixonada. O que vem me diz: eu fico, passo, ando, e tudo passa. O que não fica não me deixa. Eu sou constantemente levada e deixada. O tempo não passa, as coisas estão, é o constante entre - entre minutos, entre vidas, entre amores, entre paixões, entre confusão, entre clareza, entre cheia, entre vazia, entre ser, entre estar. Estou e só. Ser ou não ser não é questão, é questão. Para que ter uma questão? Pensar não, questão é pensamento. Sinto Alberto Caeiro, sinto o “Eu Profundo”, a incoerência faz parte do estar. Hoje estou, daqui a pouco estou , ontem estive, amanha estarei. Não sei como, como estar no mundo. Não preciso saber, não quero saber, se eu sei é porque pensei, se pensei é porque me considero sendo. Não quero considerações. Brinco de não ser, brinco de ser, esqueço que nasci no mesmo dia em que não sei quem, podem ser vários, nasci no mesmo dia em que o universo esteve, e junto com ele estive, não pensei, só estive. Só senti. A busca pela sensação do nascimento. O momento em que estar é. E assim estamos, nascemos, estamos, morremos, estamos. Estamos brincando de estar, estou brincando de estar.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Diálogo entre passados, presentes e futuros amantes

Ela – Eu não te amo mais.
Ele – (Silencio)
Ela – eu não te amo mais mesmo. Eu não sei nem como é que eu sei. Eu nunca soube o que era o sentimento de não amar mais alguém. A gente só sabe o que é amar, a gente sempre sabe quando está amando, mas e quando o amor vai embora? Eu nunca tive que pensar nisso, eu nunca senti isso.
Ele – Você nunca sabe o que sente. Claro que você me ama. Ninguém deixa de amar alguém, assim - de repente. Eu te amo, talvez às vezes eu tenha uma ou outra dúvida. Mas é impossível eu não te amar mais.
Ela – Eu não sei mais nada, não acho nada impossível. Alguma coisa mudou, eu sinto amor, mas não mais amor. Eu nunca vivi isso, o amor nunca morreu antes do fim. Até hoje eu só tinha terminado por falta de escolha, por obrigação de algo que estava fora. Hoje está dentro de mim, e agora o que eu faço?
Ele – (Silêncio)
Ela – Eu estou livre, né? Deveria ser fácil. Mas ainda estou aqui. Com você. Sem ou com amor.
Ele – Você sempre querendo decidir a vida, não precisa. Amor hoje, amanhã não precisa saber.
Ela – Não amo hoje, mas e amanhã?
Ele – Amanhã não existe!
Ela – Hoje eu sei o que amanhã pode já não ser mais.
Ele – Eu te amo hoje
Ela – Eu não te amo hoje
Ele – Eu te amo amanha
Ela – Eu te amo amanhã. Eu te amo depois de amanhã, eu não te amo ano que vem. Eu não te amo hoje.
Ele – Vai embora.
Ela – Pra onde? Eu tenho todas as possibilidades com esse não amor. Posso ir. Ver o mundo, ver para além de mim com você, mas não sei como é que se faz isso.
Ele – Eu te amo. Vai embora.
Ela - Eu estou livre né? É uma liberdade, e eu não sei o que fazer.
Ele – Eu não te amo.
Ela - Eu não te amo. Eu vou embora. Eu não quero mais isso pra mim. Eu não quero mais isso pra mim. Desculpa. Obrigada.
Ele – Desculpo. Obrigada.
Ela - Eu te amo não te amando. Eu não te amo.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Possívelmente Nora

NORA - Hoje andando na rua ouvi uma ambulância, depois vi a mesma correndo, avançando na contra-mão. Os carros parados esperando a urgência passar. E passou, e depois aceleraram e segundos seguintes não havia nem mais o eco da sirene. Aquela pessoa dentro daquele hospital ambulante talvez já tenha morrido, ou talvez já tenha parido. Eu que atravessava a rua já estou em casa, não sei bem o que fazer; não tenho nada pra fazer. A ambulância passou, e eu estou em casa, no meu quarto que deveria ter a minha cara, com a minha casa que deveria ter a minha cara, mas eu me olho no espelho e vejo cabeça, olhos, nariz, cabelos, vejo o meu contorno. Que contorno é esse, não me sinto pertencente desse contorno. Ele parece demais distante do que está dentro. Dentro, tento ver dentro, vejo a minha casa e só vejo o fora, dentro é um borrão, é o nada, vejo meu quarto e vejo o nada, ou vejo qualquer coisa, qualquer pessoa, qualquer história de vida com ou sem a passagem da ambulância. Minhas roupas, minha casa, minhas coisas, chamo de meu, mas nada realmente me pertence, nada me expressa como eu. Eu não me expresso como eu. Eu me expresso como ele, como eles, como os outros. Há um corte, uma ruptura - ruptura não - porque nada nunca foi para poder ser rompido, há um buraco vazio entre nós, entre os meus possíveis eus. Eu já tinha falado que meu dedo tremia porque não queria mais ser dedo, queria ser palma. Meu corpo agora todo treme, todas as partes insatisfeitas, todas as partes brigando para trocar de posição, de ordem, todas brigando na tentativa de me compor de uma outra forma, como uma outra, ou talvez como a mesma só que inteira. Inteira de partes inteiras e principalmente presentes em encontro com as outras. Sinto a necessidade de me perceber fragmentada, os fragmentos podem me reproduzir inteira de partes incoerentes.

domingo, 22 de agosto de 2010

Conversa com a sombra

A senhorita deve deitar e não me perguntar nada. Fica aí deitada olhando pra frente. Tá vendo pela janela? Tudo branco. Um mar de leite. Você acha que ouve, você acha que toca, mas não consegue sentir mais nada. Fecha o olho, fecha o outro olho, tá vendo? Não, você não vê nada, você não sente nada, você se perdeu em você mesma. Por fora eu te vejo travada, mas tenho certeza que você já deve estar no ponto de uma explosão. Um, dois, três, quatro, pula um, pula 20, pula 24. Me escreve uma carta, me diz que não é comigo que você quer ficar, que não é pra mim que você quer olhar, quando puder olhar de novo. Deita. Eu disse, deita de novo, não era pra você ter levantado. Seu dedinho da mão direita treme porque não quer mais ser dedinho, queria ser uma palma. Seu corpo quer explodir, mas não é isso que você estava pensando em fazer agora, pelo menos não é isso que você estava pensando em fazer com seu corpo agora. Mas ele não te pertence, você que está subordinada a ele. Deixa ele te levar!. Se joga. É, você não consegue, não sabe se jogar.

sábado, 21 de agosto de 2010

Nos encontramos no presente.

E a gente se encontra no presente. Toda uma vida passa... Lembranças, momentos... Passado, inteiro, quase pronto, todos juntos se convivem no único, no que é de fato, no que está. O que veio, o que vai ser não é mais, e ainda não é. Presença é o todo, é o encontro da vida, de vidas, pessoas, lembranças, histórias e presentes.
Nos encontramos no presente, você que não me queria ontem, hoje já não importa, hoje eu não te quero, amanha talvez te queira e você mais uma vez não, e não importa. Hoje eu já não te quero, ontem e amanha são, hoje está. É uma obsessiva obsessão pelo presente, pela presença, pelo estar. Este hoje. Agora estamos todos num encontro que relaciona, que interage, todos fazemos parte do mesmo momento.
Nos encontramos no presente. Eu com a minha história, ele com a dele, mais ou menos importante, mais ou menos vivida, nós dois nos encontramos no presente. O que foi, me faz hoje, faz dele, e dela também. Mas nos encontramos no presente. Esse presente parece o vazio, quase que não tem sentido, não faz sentido, fica difícil de entender, de confiar, o passado e futuro dão base e segurança que desvirtuam da experiência da presença, da conexão, da simplicidade e leveza que é apenas poder estar, e pronto.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Continuação...ELE - SEM NOME

Ele - eu quero sugestões. Alguém tem um nome, qualquer nome, não precisa ser conhecido, não precisa ser original. Hein, alguém... você alguém quem é? Qual é o seu nome? Eu nunca pensei pra que servia um nome, além do objetivo óbvio e comum – identificação. Hoje desejo um nome, acho que eu poderei estar alguém através dele. Me encontrar e não me identificar. Você tem um nome que me ache? Você não gostaria de tentar me achar? Não adianta, seus nomes não me encontram. Eu tento um olhar para dentro, vejo fragmentos de letras, silabas, marcas e cores que surgem no vazio. Pode ser que meu nome venha de lá, lá longe, lá dentro. Um nome, alguém tem um nome...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

SEM NOME

Ele fica sentado, por alguns segundos até se perceber boneco, mas agora já se sente outro. Precisa de um nome. Qual nome? Ele escolhe? Se ele não escolher quem decide, sugere, namora um nome? Ele não é ela, ele não é ela vestido dela. Talvez ele possa ser ela, quando ela quer ser ele ou até outro, mas não ela e não mulher. Ele senta como homem, como mulher, senta estando, senta com presença, perplexo não consegue, possivelmente não saiba nomes. Com certeza ele não sabia o nome dela, nunca tinha pensando na importância ou talvez no valor de um nome. Ele era capaz de sentir o cheiro dela, mesmo que vindo de outra cidade. Ele que ainda não tinha um nome e nunca soube o nome dela, através de suas camadas mais superficiais vibrava em harmonia com o corpo dela, e vibrava dessa maneira só com o corpo dela. Sua capacidade de identifica-la ultrapassava a necessidade de um nome. Nome era para os outros, para aqueles que não se entrelaçavam, não se emaranhavam, ele não precisou de um nome até hoje, até agora. Agora que ela foi embora, ele não sentia mais cheiro, seu corpo não vibrava, não harmonizava mais. Um corpo em caos. Ele nunca precisou do nome dela, ele não precisa mais do nome dela afinal ela já não é mais ela, não aquele ela com ele, e ele não é mais aquele ele com aquele ela. Quem é ele agora? Ele quer um nome, ele precisa de um nome, ele quer se ver fora.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Às vezes você me pega e eu não sei o que fazer comigo. Eu te pego, eu me pego. Nós brincando de não brincar, ter consciência do inconsciente. Que bobos... Não importa se é ou não - um ou outro - eu ou você - eu ou eu - você ou você. É o infinito das possibilidades, infinito de uns e de outros. Sem sentido às vezes fico querendo acreditar na dualidade das coisas, que boba... Que bobos... Ontem você quebrou a minha xícara. Achou que eu não iria perceber... Que bobo... Era só uma xícara. Que simples. Uma xícara, um bigode, um trem que de vez em quando passa e quase entro. Continuo aqui com você, esperando a hora certa de entrar sozinha.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O ENXOVAL - COMPANHIA ATORES DE LAURA - DIREÇÃO LUIZ ANDRÉ ALVIM - ELENCO ANA PAULA SECCO VERÔNICA REIS E LUIZ ANDRÉ ALVIM

EM CARTAZ NO TEATRO LEBLON SALA TÔNIA CARRERO TERÇAS E QUARTAS AS 21:00 ÚLTIMAS SEMANAS!!!!!!
IMPERDÍVEL!!!!!
Fotos: Diana Herzog







domingo, 8 de agosto de 2010

Para o meu pai

As fotos da minha vida.

As primeiras fotos ficaram na minha lembrança, você me deu aquela câmera tijolo, com aquele filme comprido para eu levar na minha primeira viagem sozinha, o acampamento NR. Tirei várias fotos, devo ter trocado de filme umas duas três vezes, era simples - só encaixar o objeto no seu lugar apropriado e pronto não tinha que puxar nada, fazer girar ou qualquer outra complicação. A cada troca, eu abria retirava o filme usado, jogava fora e colocava o novo dentro... E assim foi, até o meu retorno acompanhada apenas da câmera - os filmes ficaram nas latas de lixo do NR, junto com as minhas primeiras imagens. Você não me disse o óbvio, e se hoje o óbvio para mim ainda não é óbvio, imagina com seis anos de idade... Com câmera, sem filme, sem fotos, com muitas imagens que ficaram só pra mim.

Com sete anos você me deu uma Kônica modelo Tomato. Câmera lindinha, vermelhinha que na proteção da lente tinha um tomate perfeito desenhado. Eu a carregava pendurada em diagonal do ombro esquerdo ao lado direito do meu quadril. Fazia fotos de tudo e qualquer coisa, os carros americanos, prédios espelhados, pessoas. Também ficava atrás de você tentando ver o que é que você estava vendo, o que é que você estava fotografando.

Já adolescente, devia ter uns 15 decidi pegar uma optativa na Pine Crest, Photography com o Mr. Lawman. Você me deu a sua Pentax Asahi para eu aprender, e como eu aprendi, e como eu fotografei. Vivia com a câmera pendurada em diagonal do meu ombro esquerdo ao lado direito do meu quadril. Minhas amigas eram o meu sujeito principal. Quantos sorrisos e movimentos eu consegui perceber e enquadrar. Em Photography me senti super importante, eu tive finalmente a oportunidade de entrar num darkroom para revelar as minhas imagens. Lembrava tanto do seu laboratório no subsolo da Kobe, era lindo, grande e cheio de coisas que eu não sabia para que servia, mas como eu gostava, como eu gostava daquele cheiro forte do fixador. As fotos em preto e branco penduradas no varal, a imagem aparecendo como mágica no papel branco, e você dizia “olha só é mágica”, eu achava aquilo tudo incrível. A luz vermelha alaranjada que fazia daquele espaço um quarto escuro. Eu me sentia muito bem ali desde sempre, apesar de não entrar com tanta freqüência. Com 15 estava eu lá, misturando as químicas, enquadrando as imagens para depois expor o papel à luz. Passava horas do meu dia lá dentro, ouvindo música no meu discman sozinha, era um momento de encontro comigo, com as minhas fotos com a história que acontecia dentro de mim. Eu ampliava as fotos, te mostrava, e você as lascava de críticas e eu muito defendida nunca estava disponível para ouvir de primeira, e depois de um pouco de stress eu já estava recebendo tudo o que você tinha para me ensinar, e louca para sair e fotografar novamente, já com um olhar mais lapidado, mais consciente – foi aí que comecei a realmente ver o quadro e escolher como eu queria ver os momentos, eu tinha a sorte de poder olhar os momentos.

Com 17 você construiu um laboratório só pra mim, ele tinha a minha cara, era o meu espaço. Não durou muito, mas foi muito bem utilizado, vivi muito ali dentro, era um momento de paz e encontro. Foi todo escolhido pelo catálogo da B&H.

A coisa começou a ficar mais séria, estava fotografando tudo, queria viver disso, viver com isso pro resto da minha vida. Queria fotografar gente e momentos. Você me deu uma Nikon 6006, foi difícil abrir mão da Pentax, tinha criado uma relação com ela, mas a Nikon era linda, era automática, e mais importante ela parecia com a sua Nikon F4 que você sempre levava nas nossas viagens, e finalmente poderia dividir lentes com você, as câmeras eram compatíveis. Como eu usei essa câmera, ela foi minha grande companheira por muito tempo, ela viu Paris, Provence, Polônia, Israel, Chapada Diamantina, Gainesville... Ela me viu. Me encontrei na câmera, nos meus auto-retratos. Quantas noites eu virei me produzindo, me enquadrando e me fotografando. Escolhi ser fotógrafa, passei dois anos e meio naquela faculdade descobrindo o meu olhar que até então era muito atrelado ao seu. Lá descobri que a foto não precisava mais ser bonita, ela tinha que ter conteúdo, lá me apaixonei pelo Duane Michaels. Queria expressar toda a angústia que sentia naquele momento através das minhas fotos, queria contar as minhas histórias. Photo Narrative, a possibilidade de dar seqüência, era isso - contar histórias.

De repente foi tudo interrompido, voltei para o Brasil atrás de vocês. Cheguei a fotografar produtos, era horrível não tinha e não tenho o menor talento para aquilo, mas era o que dava dinheiro. Gostava mesmo era de me fotografar, de fazer poesia em imagem e não via mais espaço para isso, o filme ficou caro, papel, revelação, não tinha mais laboratório, não tinha mais prazer. As câmeras foram substituídas e eu não consegui me adequar, acompanhar. Você também não estava mais quase fotografando, tanta coisa séria acontecendo, não havia mais espaço e nem tempo para um hobby. Os anos passaram e eu parei completamente de fotografar, foi importante, abri espaço para o teatro e para entender porque que me fotografava tanto. Mas a verdade é que havia uma lacuna dentro de mim. Há quase dois anos voltei a fotografar, porque a vida quis assim. Não foi uma escolha consciente, me chamaram eu aceitei e sem querer e aos poucos fui redescobrindo o que estava tão distante. Primeiro o André me emprestou a câmera dele, mas logo depois ela quebrou e me vi obrigada a te pedir a sua emprestada. Aí sim, estava eu novamente fotografando com uma câmera profissional, uma Nikon D200, essa automática e digital. A fotografia está hoje presente em mim, me re-conectei, nasci para fazer isso também da minha vida, seja lá como for. Acompanhar momentos com a câmera na mão, ver esses momentos depois como uma escolha do meu olhar me emociona e me preenche.

A fotografia é um pedaço de você que está dentro de mim, dentro da minha história. A fotografia também é um pedaço da vovó, que está dentro de você e que claro está dentro mim. Lembro quando vi as fotos dela pela primeira vez e vi o meu olhar, achei impressionante, me conectei com as imagens da minha avó, com o olhar dela em algum momento perdido de sua existência tão fechada e indisponível para todos nós. Meu queridíssimo pai fotógrafo sinto muito orgulho de te ver hoje finalmente escolhendo viver essa arte que no fundo nos escolhe, a sua coragem me inspira. Parabéns. Você é um homem muito especial, continue nesse caminho que é só seu, você nasceu para isso.

Te amo profundamente.

Didi.

auto-retrato 2000