sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Diálogo parte II ou segunda variação treino

A - Um paredão. É isso. Uma parede grande, de concreto que eu nunca consigo atravessar. Eu me jogo na parede, mas não é o chão, não me segura – me interrompe.
B - A gente anda e de repente aparece uma parede.
A - Eu sempre me porro na parede.
B - Eu sempre me jogo no chão.
C - Eu sempre vago, nunca fui interrompida, a verdade é que eu danço tango pela vida.
A - Não mente.
B - É verdade, você nem sabe dançar.
A - Eu já tentei ensinar-la a dançar, mas ela mais pula do que dança.
C - A verdade é que você não sabe me pegar.
B - Ele não quer te pegar.
A - Você morreu, não adianta pular. O chão te segura, mas não te reanima.
B – Eu já pensei nisso.
C – O que é que foi que você disse?
B - Eu já pensei nisso.
C – Não, o que é que você falou antes?
B - Não me lembro. Acho que...
C – Eu morri. Você disse que eu estou morta.
A - Foi isso que eu disse.
B – Era isso que eu tinha pensando.
C – O que é que a gente faz quando a gente se desconecta?
A - Depende do que.
C - Do que o que?
A - Depende do que você se desconecta.
B - Da vida, do outro, de casa, da vida, de você.
C - Eu não escolhi morrer. Eu nem sabia que eu tinha que morrer. É pra eu me jogar no chão agora?
B - Como é que você morreu?
C - Como é que eu morri?
A - Você perdeu um grande amor.
C - Quem era ele?
B - Eu estava pensando nisso. Meu grande amor já passou.
A - Eu estava pensando nisso. Eu nunca tive um grande amor. Eu não gosto do chão, não gosto do limite, não quero me amarrar.
C - Meu grande amor... Eu tive um grande amor e agora eu estou morta e eu não me lembro. Qual era o nome dele?
A - Nome? Pra que? Não muda nada.
Os dois falam ao mesmo tempo, uma sobreposição de comando.
B - Espera! Se acalma.
A - Se acalma, espera.
B - Espera, espera. Espera.
A - Se acalma.
C - Espero. Me acalmo. Espero sem saber, sem lembrar, sem ser. Acho que não sou mais ninguém mesmo, as lembranças não me pertencem. Eu espero. Eu estou calma.
A - Você só podia ter morrido. Não importa de que jeito.
B - Você já não prestava. Já não queria mais se jogar no chão. Você já morreu.
C - Um, dois, três morri! Não funcionou.
B - Engraçado eu estava pensando nisso.
A – (dando ordem para C, C imovél não obedece nenhum comando) Pára. Senta. Pára. Deita. Pára, senta. Pára, se joga.
C - Eu morri. Como é que eu morri? Não me deixa voltar pro zero. Como que eu faço para renovar?
B - Seu nome era um nome comum, tipo Maria.
A - Não seu nome era Carmem.
B - Talvez Ana.
C - Eu não me vejo como Carmem. Você está rindo do que? Não tem a menor graça!
A - Você acha que se vê.
B - Isso é engraçado.
C - Olha pra mim. Eu não consigo atravessar um muro e o chão me segura.
A - Você acha que se vê. Ajoelha e reza.
C se joga no chão.

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