sábado, 18 de setembro de 2010

A Menina que Colecionava Chatices

A menina sabia tudo o que tinha que fazer sem nunca ter visto ninguém antes fazer aquilo, que ela não sabia o que era, mas sabia o que tinha que ser feito. Como é que a gente sabe o que fazer, mas não sabe o que é? A menina sabia, a menina também não tinha nome, ela era conhecida como a menina que colecionava chatices, ela sempre sabia o que tinha de ser feito, sempre tinha uma opinião, tinha o seu jeito de pensar e agir e facilmente impor isso em qualquer um, não importava quem. Ela queria falar, queria dar palpite, queria se meter, queria dizer, não - mais do que isso, queria ser a dona da verdade, dona do mundo, dona dos pensamentos dos outros, sem saber o que todas essas coisas eram. Ela tão jovem, com tão pouca experiência, enchia os outros de opinião, ela colecionava chatices. Ela era grande, pesada, com bastante carne, tinha coxas que roçavam uma na outra e quatro rolinhos de gordura que se encaixavam em torno de sua barriga. Aquele peso todo, era a sua coleção de chatice que já tomava forma em seu corpo, ela mesma não se agüentava – é difícil sempre saber o que tem que ser feito, sem na verdade não saber nada de nada. Ela tinha muitas chatices, dava passos bem curtinhos, mas sempre acelerados, tinha pânico de ficar para trás, vivia olhando para os outros tentando alcançar o ritmo que vinha de fora, e na primeira brecha, lá tentava ela de novo, impor o seu ritmo, como se fosse o melhor, o único jeito certo, de fluir. Mal sabia ela que quando se pensa no jeito certo, já não se pode mais fluir, quando a gente flui com os outros e com a vida, não tem certo nem errado, as coisas só estão, e uma hora pode ser preto e logo em seguida ser branco, um brigadeiro pode sim ser doce e outro amargo e não tem nada de errado nisso, porque com certeza deve ser muito melhor comer um brigadeiro doce depois do amargo, do que só comer o brigadeiro doce. As pessoas sentiam a presença da menina de longe, sua voz estridente era inconfundível, uma voz de cabeça, que parecia que ia fazer com que as veias em sua testa fossem explodir a qualquer momento de tanta força que ela fazia para falar, para ser ouvida e principalmente ser levada a sério. Mas ninguém levava a menina a sério, ela colecionava chatices, chatices que esbarravam no bem estar do outro. Uma menina solitária que sabia sim muitas coisas, que sabia e nem sabia por que, coisas que poderiam fazer sentido, e trazer muitos amigos e ouvidos disponíveis, mas ela não sabia como dizer as coisas, ela não tinha jeito, não tinha tato nem delicadeza, nem disponibilidade. Era uma menina que não sabia ouvir, mas sabia falar, e sabia tudo o que tinha que fazer, mas só conseguia falar, não dava chance de vida para seus ouvidos. Ela vivia colecionando chatices.

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