quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Eu sou o que eu vivi. As pessoas que conheci. As comidas que eu comi e as roupas que eu vesti. Carros, nhá bentas e momentos que meu pai me deu. A boneca que eu poderia levar para a escola contra a minha vontade. A clavícula quebrada por amor e por falta de amor. A fazenda com cheiro de bosta de cavalo e pasto. Risadas, lágrimas e histórias da vida de outros que me foram contadas, outros que conheci e outros que não conheci, mas fui afetada. Brigas... longas brigas que eu não me lembro, mas estão em mim junto com o Dudy, Loly, Portos e Kalua. Com panqueca e karo e soldadinhos de chumbo. Eu sou o outro em mim. Fico perdida comigo, com o meu momento, com a vida, com a minha história, vontades e sonhos. Perdida com quem eu sou agora, quem eu estou agora. Sou minha mãe durante anos sem saber o que nasceu pra fazer, sou a minha mãe encontrada, sou o meu avô que sobreviveu o holocausto e está hoje vivo perto de mim, com a guerra, a vida e a despedida dentro dele - despedida da historia da vida dele e das pessoas sem ainda nem ter morrido. Quem é o meu avô? Eu sou meu avô, minha avó que sempre esteve geograficamente perto, mas nunca conheci. Já tivemos o mesmo olhar, um dia vi numa foto dela a minha foto. Sou a minha família que julgo tanto, que critico tanto, sou medíocre que nem eles - está tudo em mim. Eu sou tantas músicas, cheiros. Estou perdida, mas escrevo aqui coisas, pessoas e lembranças que me mapeiam, que me encontram e me perdem, porque também não sou nada disso. Amanha já posso não ser mais nada, amanha já não estou mais aqui, não porque posso morrer, mas porque posso esquecer tudo e todos. E quando a gente esquece? Quem somos sem memória, sem história, sem reconhecimento? Quem sou eu sem essa minha crise de hoje? Quem sou sem meu encontro de ontem? Será que somos mesmo? O que eu não me lembro está em mim, e eu nem sei que diferença faz, tenho medo de perder pessoas, histórias, lembranças e nem perceber que eu perdi. Quando a gente perde e sabe, a gente vive a perda , o luto, o sofrimento. Mas e quando a gente perde e não sabe o que perdeu.? E só daqui um, dez ,trinta anos a gente sente falta.E quando o que foi perdido é muito importante, mas mesmo assim a gente não se lembra de ter perdido, é como se nunca tivesse sido vivido. Sinto angustia de perder momentos e afetos sem perceber, sem querer, só porque sou o acumulo de muitas coisas significantes e tolas. Me perdi de mim mesma.

Um comentário:

  1. Não existem verdades absolutas Di, mas é basicamente isso aí. A gente se perde e se encontra nas "faltas". Lindo texto. Um presente pra quem lê: lindo, mundano, humano... Bjo

    ResponderExcluir